quarta-feira, 20 de janeiro de 2010

O que o Haiti tem a ver com isso?

A meu ver, a alternativa para uma nova divisão de poder mundial seria uma em que as organizações civis e os empreendedores sociais sejam mais atuantes do que os governos... Isso de fato começa a ocorrer, visto que os Estados estão mais interessados em defender interesses privados de grandes corporações do que em atender às demandas sociais por serviços e cuidados de uma forma geral.

Assim é que chegamos à situação do Haiti, cujas cidades tinham como principais prédios não os palácios governamentais, mas os escritórios de organizações internacionais humanitárias. Embora hoje tenham seus prédios em escombros, ainda é a ONU e diversos empreendedores sociais do terceiro setor que comandam os esforços de reconstrução de uma sociedade destruída por essa imensa catástrofe natural, mas antes igualmente esmagada pelo poderio econômico-político, tendo como artilharia os sucessivos embargos econômicos.

Um texto publicado na imprensa americana dá bem a dimensão do papel do Tio Sam no caos haitiano pré-terremoto: http://www.huffingtonpost.com/bill-quigley/what-the-mainstream-media_b_424126.html

O texto diz: “Em 2004 os Estados Unidos apoiaram um golpe contra o presidente eleito democraticamente, Jean Bertrand Aristide. Isso manteve a longa tradição de os Estados Unidos decidirem quem governa o país mais pobre do hemisfério. Nenhum governo dura no Haiti sem aprovação dos Estados Unidos”. E também: “Na última década, os Estados Unidos cortaram ajuda humanitária ao Haiti, bloquearam empréstimos internacionais, forçaram o governo do Haiti a reduzir serviços, arruinaram dezenas de milhares de pequenos agricultores [forçando um êxodo rural em massa] e trocaram apoio ao governo por apoio às ONGs.”

Hoje, o Haiti é o exemplo extremado do grau de submissão estatal ao coquetel molotov formado por quem realmente dita as regras do fluxo de caixa global. Diz ainda o texto, “O governo foi sistematicamente privado de fundos. O setor público encolheu. Os pobres migraram para as cidades. E assim não havia equipes de resgate. Havia poucos serviços públicos de saúde.”

É emblemática a morte de Zilda Arns no terremoto, porque organizações humanitárias do mundo inteiro é que realmente exercem o dever estatal de prestar serviços à miserável população haitiana. Viva Rio, Médicos Sem Fronteiras, a ONU e outras tantas organizações, como a própria Pastoral da Criança, é que de fato exercem a obrigação mais vital que um Estado pode ter para com os cidadãos: o de prestar serviços e socorro em um caso extremado como esse. Daí a ambigüidade da minha pergunta inicial: seria o presente do Haiti o nosso futuro?

Honestamente não sei responder a essa pergunta. Tenho pensado no que diz Domenico de Masi. Se ele estiver certo e a mecanização da indústria apontar para uma liberação cada vez maior do serviço braçal em favor do trabalho intelectual e do tempo livre com a redução de jornada de trabalho, pelo menos nos países ricos e em desenvolvimento, teremos muito tempo de ócio criativo. Tempo para percebermos o quanto nos submetemos à tirania do consumo, e também para imaginarmos uma saída para essa crise global e humanitária que representa não só a situação do Haiti, mas a de centenas de milhões que sequer consomem o suficiente para se manterem vivos em todo o mundo.

Nesse ponto, não resta muita dúvida sobre o que fazer para os que tiverem ao mesmo tempo livre dos encargos da manutenção da própria família e da necessidade de acúmulo de riquezas pessoais. Antes, esses se entregavam às igrejas como missionários da fé, hoje dá para fazer mais que isso e sem o inconveniente do celibato ou da subjugação mental... Mas isso é assunto para outro texto!

(Por hj é só pessoal!)

2 comentários:

  1. Perfeito, e o que falta agora é as pessoas irem se conscientizando aos poucos, e nós, fazendo trabalho de formiguinha, pulicando mais e mais, distribuindo por aí esse material fantástico que vc escreveu.

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  2. Poxa, Diego, obrigada! Essa revolução é individual msm... só escrevo por ter esperanças de q compartilhando isso alguém possa desencadear os próprios processos. É bom saber q alguém lê!
    Bjos
    Nil

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