A partir do ponto em que conquistamos o poder de decidir nossos caminhos na vida, fazemos uma série de escolhas com o objetivo de nos tornarmos seres felizes. Muitas vezes nem sequer temos um planejamento visando esse fim e, quanto traçamos esses planos, raramente nos questionamos porque queremos ser felizes dessa e não daquela maneira. Quase nunca pensamos se nosso objetivo é tão somente a posse de riquezas, fama e notoriedade ou se basta simplesmente uma boa família, com potenciais para manter uma “vida digna”, uma vida que para alguns é apenas medíocre. Ou se as duas coisas juntas!
No mundo do depende, os caminhos escolhidos para alcançar o tão visado “paraíso na terra” obedecem a certos valores que determinam essas decisões, sejam elas de grande ou de pequeno impacto. É sobre esses valores que nos propomos pensar aqui, a fim de que tenhamos consciência dos fundamentos sobre os quais se assentam nossas escolhas. Quem sabe assim será mais fácil visualizar os caminhos?
Em A República, de Platão, foi justamente uma escolha que levou o pastor de ovelhas, Giges, do Mito de Giges, a mudar radicalmente sua vida depois de encontrar um anel que lhe dava o poder de se tornar invisível. Com isso, ele poderia ser o que quisesse naquela longínqua Lídia e escolheu ser rei, não importando que para chegar a esse objetivo tivesse que seduzir a rainha, tramar e efetivar com ela o plano de matar o então ocupante do trono. Ele devia acreditar que riquezas e fama o fariam uma pessoa feliz.
Porém, nós que vivemos em uma sociedade midiática, onde os segredos mais íntimos dos ricos e famosos são prato principal na imprensa marrom, nós sabemos que riqueza e fama não necessariamente tornam as pessoas felizes.
Giges tinha a seu favor a certeza da impunidade e conta-se que depois de assumir o poder, foi nele confirmado pelo famoso Oráculo de Delfos, a custa de algumas oferendas. Claro, porque lá, como cá, o dinheiro podia comprar a impunidade. Para nós, nem precisaria mesmo de um anel que nos dissimulasse, porque na prática, hoje em dia é perfeitamente possível se passar por uma pessoa honesta, escondendo debaixo do pano grandes patifarias.
Qual a diferença, então, entre escolher ser um picareta, e ser alguém que vive conforme as melhores regras de civilidade e ética, se, usando ou não um Anel de Giges, é perfeitamente possível gozar da fama de “conduta ilibada” e das benesses conquistadas através da desonestidade, como riqueza material? Se os dois caminhos estão postos, um e outro seriam igualmente válidos para tornar alguém feliz?
Certa vez escutei que somos fruto das nossas escolhas, “ser você é uma condição aceita”. Então, se tenho toda essa gama de caminhos e escolhas que me levam à felicidade, qual será o caminho que se deve desejar?
Sócrates, ainda em A República, ajuda a clarear um pouco essa confusão. Claro que elas são argumentos válidos, em sua maioria, para os espiritualistas, ou seja, aqueles que acreditam que algo sobrevive à morte do corpo.
Ele diz que são três as principais espécies de homens: o FILÓSOFO, aquele que tem como objetivo alcançar o saber, a essência das coisas e a isso dedica sua vida, não se preocupando com as mesquinharias de posses transitórias; o AMBICIOSO, aquele que despreza a busca insensata da riqueza como um prazer grosseiro, mas que vê na fama e nas honrarias o supremo objetivo da vida; e, por fim, o INTERESSEIRO, para quem todo o objetivo de vida se resume na riqueza, uma vez que o dinheiro é o supremo estimulante de todos os outros prazeres, podendo comprar a pompa, alimentar a vaidade e proporcionar uma vida de prazeres sensuais.
A diferença entre essas categorias de homem está justamente nos valores alimentados em cada uma delas. Porém, para Sócrates nem todos esses valores representam caminhos válidos em busca de uma felicidade plena.
Ele diz que uma felicidade duradoura não se mistura com as escolha dos ambiciosos e interesseiros. Fundamenta isso explicando que nossa alma é composta de três elementos: a razão, a cólera e a concupiscência (desejo ardente de bens ou gozos materiais). Ele diz também que, em um homem compete à razão, uma vez que é sábia, o encargo de governar a alma toda, tendo como aliada a cólera, a fim de que juntas possam submeter o elemento concupiscente. Caso contrário, a natureza irascível do homem o escravizará e subverterá todo o conjunto.
Quando alguém aceita fazer algo desonesto, por exemplo, por mais que ninguém se dê conta desse delito, diz Sócrates, a pessoa não tira vantagem nenhuma disso, uma vez que submete a parte mais divina de si mesmo à mais ímpia e miserável. Para quem não acredita na transcendência, equivale a dizer que sua conduta então será impulsiva e impensada, já que permitiu que a razão fosse subjugada ante os mais primitivos instintos, inferiores à categoria de ser pensante, à condição racional que o eleva na escala evolutiva.
Decorre daí que o prazer que essa vantagem venha a proporcionar é sempre misturado com sofrimentos, pois arrastam o homem para baixo. São, de acordo com o filósofo grego, fantasmas de um prazer verdadeiro só alcançável por quem volta sua alma para o que não é transitório, para o mundo das essências, para o Ser e não para apenas para o ter.
Não que Giges não deva ter tido componentes em si de todas as espécies de homem, um pouco do ambicioso, um pouco do interesseiro e até do sábio, quem sabe? Assim como devemos ter nós também. O que ele não fez para atingir uma felicidade mais plena, menos sujeita a mudanças intempestivas, como um golpe de estado que poderia arrebatar-lhe a riqueza, fama e até a vida, foi subjugar o elemento concupiscível.
Para conseguir não se arrastar por essas tendências irascíveis, que podem levar a um estado de felicidade fugaz e instável, o grande filósofo grego nos dá um conselho, nos indicando um meio de fugir ao forte apelo do elemento concupiscente: “faremos como aqueles que, quando estão apaixonados por alguém, e reconhecem que aquele amor não lhes é proveitoso, se afastam dele, embora com esforço”.
domingo, 14 de dezembro de 2008
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É como dizer: tudo me é licito, mas nem tudo me convém!!
ResponderExcluirTemos dentro de nós a potencialidade de sermos o que quizermos ser, desde um homem sabio até um ambicioso que apenas pensa em riquezas e poder.
Como não somos perfeitos, somos sim uma mesclagem entre a virtude e as paixões que nos tornam desvirtuosos. O que vai fazer essa diferença serão nossas escolhas,e os resultados de nossas escolhas.
Isso terá tambem que estar vinculado ao grau de consciencia que temos ao escolher algo.Tomar as decisões corretas, decisões eticas, requer sabedoria que adquirimos ao londo de uma longa jornada, juntamente com a maturidade e o conhecimento, vamos criando consciencia do que realmente devemos fazer!!!!
É um processo de conscientização, de sair da visão que abrange apenas o imediato, é ir além do aparente.
E que maravilha é essa nossa prerrogativa de poder escapar do imediatismo, abstraindo-nos dos dramas cotidiamos a ponto de atingir o simples filosofar! A ponto de vislumbrarmos saídas e horizontes que nos engrandecem diante das coisas mais simples, como escolher se vamos assistir TV ou encontrar com amigos numa tarde domingo!
ResponderExcluirObrigada por comentar!
Apareça sempre pq a casa é nossa!
Um abraço,
Nil