segunda-feira, 29 de dezembro de 2008

Série Banquete - Continuação

O texto abaixo é de Josilene Soares, criado após da leitura da obra O Banquete, de Platão, que trata do tema Amor.

Você também é personagem importante nesse blog. Comente, queremos saber sua opinião!

Um texto gay

Eu gosto de gays. Quando ando pelas ruas, costumo olhar nos olhos deles. Tenho uma sensibilidade especial para reconhecê-los no meio da multidão e não estou me referindo a trejeitos ou algo assim. É um feeling, não preconceito.

Os gays são pessoas muito especiais; carregam um brilho e uma expressão que varia entre o medo e o pedantismo. Contudo, algo nos seus olhos, invariavelmente implora por amor. Não sei como pode ser, mas eu sempre sou atraída por esse fascinante olhar que pede algo que parece impossível de ser dado a alguém...

São criaturas arredias, a princípio, arrogantes, quando percebem o interesse de alguém. Isso é claro, quando o gay é um ser que já se ‘assumiu’, embora não necessariamente tenha se aceitado. Considero essa reação absolutamente compreensível, para quem vive na fronteira máxima dos sentimentos, sempre em busca do reconhecimento, da própria valorização ou, pelo menos do respeito dos que o cercam, encontrando freqüentemente frieza e maldade na maioria das pessoas, principalmente entre amigos e familiares. Quem os poderia censurar? Quem os poderia apontar? Quantos não o fazem?

Quando não se assume, o gay costuma se esconder atrás de uma postura afetada de auto-adoração que o transforma em um ser digno de pena. Na verdade, um senso de proteção instintivo é o responsável por este pedido de socorro. Sempre que posso, tento conscientizar um amigo dessa situação difícil, mostrando-lhe que a vida será bem mais fácil e segura se ele se encontrar e se impor enquanto indivíduo livre e merecedor de respeito, além de muito amor. Pelo menos ele saberá quem são seus verdadeiros amigos. Já será um bom começo!

Em grande parte, devo aos gays minha consciência do quanto somos medíocres tentando ser o que não somos, tentando mentir e enganar nosso reflexo no espelho, dizendo a nós mesmos que somos equilibrados, que somos “normais”. Gente normal ama, sente desejo, sonha, espera, conquista, quer ser amado, desejado, quer viver ao lado de um ser que o complete.

Os gays são normais. Eles sentem tudo isso, exatamente assim. Dentre os casais que conheço os mais harmoniosos, os mais felizes, tranqüilos, amigos e companheiros, são casais gays. Em poucos casais vi tanto amor, tanta dedicação, tanta admiração pelo outro, tanta aceitação. Então, me orgulho de dizer, isso aprendi com os gays: a ser honesta com os meus próprios sentimentos, a ser consciente das minhas misérias íntimas e me aceitar, me amando, ainda assim. Depois, e só depois, é que vieram os livros, a filosofia e algumas poucas respostas.

Na obra O Banquete, de Platão, Aristófanes trata do tema do amor homossexual enfocando o mito de Andrógino e conta a história dos seres de terceiro gênero, apartados por Zeus um do outro, como castigo pela sua arrogância, sempre a se buscarem com avidez e ansiedade, como solução para sua angústia e por necessidade de complemento. Desta forma, os que possuíam forma feminina procuravam mulheres e os de forma masculina, se afinizavam na busca do amor de outros homens, não por despudor, mas por demonstrar coragem em satisfazer suas necessidades. Não somente a atração sexual os aproximava, mas o desejo sincero de amizade estima e respeito os ligava. Tanto que a nenhum outro amavam, e sinceramente desejariam viver e morrer como um só.

Em outro trecho, narra Platão o amor do jovem Alcibíades por Sócrates, bem como as artimanhas do rapaz para que o filósofo lhe partilhasse o amor e o leito. Sócrates o acolheu com amor, abraçando-o sem lhe partilhar o corpo. Entendendo, porém, que o amor de Alcibíades merecia respeito, Sócrates o acolheu nos braços, como pai ou como irmão, de modo que no dia seguinte continuavam a ser como antes: mestre e discípulo.

Nos dois trechos, percebe-se a sensibilidade do autor, demonstrando a compreensão do filósofo grego para um tema tão palpitante quanto delicado: de início, demonstrando a propensão natural da busca do Andrógino pela sua “metade”, como necessidade máxima de busca da própria felicidade e realização pessoal; em seguida, a adequada reação de um ser que não deseje unir-se a outrem para um relacionamento afetivo, tratando, porém, de não ferir a sensibilidade do que busca inutilmente ser correspondido no amor.

Não é a orientação sexual dos gays que deve ser o ponto chave das discussões em fóruns, livros de auto-ajuda, debates em escolas ou ainda nos dogmas desta ou daquela religião. É antes, a capacidade de amar que existe em cada ente que deve ser vista e protegida, como forma de construção ou resgate da estima e da sobrevivência emocional dos envolvidos nesse processo de aceitação do gay em relação a si mesmo e aos que o cercam.

Eis o que resta a compreender: é preciso saber amar, buscando em si mesmo a essência do amor, para se entregar ao ser amado sem temor quando encontrá-lo. É preciso saber amar, para desvincular a necessidade de afeto da carência sexual, aprendendo caminhos de compreensão que não firam e não afugentem indivíduos dignos de serem amados.

No mais, o pejorativo “gay” não diminui a essência do homossexual, quando este encontrou no amor dos seus familiares, amigos, companheiro ou companheira seu referencial de felicidade. Nem a frieza, nem a negação ou a repulsa de quem quer que seja ferirá o indivíduo que se sabe aceito e amado pelos seus.

domingo, 28 de dezembro de 2008

Um banquete...

O texto abaixo é da Chris e faz parte de uma série q fizemos depois de ler O Banquete, de Platão. Discuta com a gente, afinal o tema não poderia ser melhor: o Amor!

Fome de amor

“Os discípulos perguntaram-lhe: 'Em que dia virá o reino?'. Jesus respondeu: 'Não vem pelo fato de alguém esperar por ele; nem se pode dizer ei-lo aqui! Ei-lo acolá! O reino está presente no mundo inteiro, mas os homens não o enxergam.”...
Desculpe se esse texto se tornar um exercício de paciência. Mas essa é uma história que vendo sendo escrita há doze anos, desde que o Amor começou a fazer parte de minhas buscas- ao menos de uma forma mais direta e prática do que apenas desenhar coraçõeszinhos pelos cantos de cadernos.

Acho que cada um de nós tem o seu motivo para estudar o Amor - seja por razões filosóficas, porque somos buscadores de respostas, de consolo ou felicidade...seja por dilemas pessoais... seja porque nada mais funciona.. cedo ou tarde o tema invadirá a vida de todos nós. E vc se verá confrontado por questões como - Isso é o amor?O que é o Amor? Qual o seu propósito? Como devo amar?".

Não, não são perguntas fáceis, meus amigos. A maioria de nós prefere ignora-las, porque é muito mais cômodo preencher o tempo com o vazio de coisas , coisas que o tempo leva - o dinheiro, o prestígio, a coluna social, a vida alheia, posses, prazeres carnais, estética,... - Mas então o tempo vai pacientemente lhe ensinando, queda após queda, que você pode até comprar tudo o que seu apetite ditar, ter todas as medalhas e castelos, trabalhar até morte, participar de todas as orgias, construir o corpo mais perfeito - mas nada disso aplacará a ansiedade em sua alma e o mais importante: continuará faltando algo.. algo que não está nas coisas, nem no simples desfrute de paixões - e a falta disso irá se convertendo em fome... uma fome das mais terríveis, destas que poderiam devorar seu coração, faze-lo acreditar na separação, na solidão e carência como a grande fatalidade dessa vida... é algo tão forte que muitos não acham que não consegueriam resistir.. algo que faz com que se joguem de prédios, se percam em drogas, transformem aviões em bombas... ou tente se tornar exatamente igual ao rebanho, apenas pra não se sentir sozinho, e seguir o que a moda dita, acreditar na ideologia da massa...

E se tentarmos escapar e ligarmos o radio ou a TV na novela das oito? Tudo o que escutaremos a respeito do Amor se traduz no quanto devemos ser amados - quase nunca se fala do quanto devemos amar.Parece mesmo um mundo sem respostas. Até que vc ouve outras palavras , palavras que ecoam através dos séculos, e que contam a historia...

“Entrou Jesus em uma aldeia, e certa mulher, por nome de Marta, o recebeu em sua casa. Tinha esta uma irmã chamada Maria, a qual sentando-se aos pés do Senhor, ouvia a sua palavra. Marta porem, andava preocupada com muito serviço; e aproximando-se disse-lhe : Senhor, não se te dá que minha irmã me tenha deixado a servir sozinha?Dize-lhe pois que me ajude. Respondeu-lhe o Senhor : Marta, estás ansiosa e perturbada por muitas coisas; entretanto poucas são necessárias, ou mesmo uma só; e Maria escolheu a boa parte, a qual não lhe será tirada”.

Não estamos ansiosos e preocupados tb por muitas coisas?

E afinal o que é realmente necessário? Qual essa única coisa que seria digna de nossa atenção?

Mais adiante, um homem que encontrou Cristo enquanto ainda andava com espadas nas mãos, escreveu: ... “Ainda que eu distribua todos meus bens entre os pobres e ainda que entregue meu próprio corpo para ser queimado, se não tiver amor, nada disso me aproveitará...”
Amor.

É essa a resposta. É essa a busca. Todo o resto é apenas parte do cenário ou são instrumentos para praticarmos o amor.

O amor não é algo que cai do céu sob a forma de paixão em uma tarde de primavera. Muita gente acha isso. Confundir amor com a experiência de apaixonar-se por alguém, que é uma experiência muito curta - como diria Erich Fromm em seu livro A Arte de Amar. Pq na medida que vamos "conhecendo" aquela pessoa "amada" e percebemos seus defeitos e problemas- depois que as barreiras foram vencidas e a pessoa se tornou "um tédio", esgotada, óbvia - muitas vezes restará a impresão de que só relacionamento sexual pode ainda salvar alguma intimidade.. mas o tempo corre e também leva isso embora ... Daí as pessoas vão saltando de pessoa em pessoa... correndo em círculos.Contudo nós não nos damos muito ao trabalho de realmente conhecer alguém... e é disso que se trata o amor. Conhecer alguém verdadeiramente, aprender sobre o ser humano. E isso exige necessariamente o exercício do amor - com dedicação, disciplina, concentração de um aluno que tenta assimilar uma matéria nova, mesmo no sofrimento e nos tropeço do amadorismo - em nossos dias, o que mais se aproxima dessa tentativa seria o amor materno. Já pensou amar alguém como se amaria um filho único? Eu não sou mãe, mas imagino a dimensão disso. Amar nas linhas traçadas pelo mesmo Paulo e relembradas na pregação de Henry Drummond -com paciência de um o amor que tudo suporta, tudo espera, pq tudo compreende.- com generosidade de um amor que não inveja, nem arde em ciúmescom humildade de um amor que se esconde inclusive de si mesmocom delicadeza-de um amor sem violência, porém resistente naquilo que acredita como certo e bom com a entrega de um amor que ignora qualquer recompensa , pq o ato de amar já basta a si mesmocom benevolência de um amor capaz de dar alegria aos outroscom tolerância de um amor que não se reveste de falsa-sabedoriacom inocência de um amor que acredita nos outros, de um amor que sabe que o pouco que as pessoas podem nos ferir por causa de nossa atitude inocente não significa nada perto da alegria que sentiremos diante de uma vida sem o peso das armadura e escudos da desconfiança.

E qual não seria a sua surpresa ao descobrir que isso é apenas o início?! O primeiro passo!!

Porque quando o bom e sábio Sócrates se reuniu com os amigos, como fazemos hoje, a discutir sobre o Amor em um banquete, decidiu revelar o que Diotima havia lhe ensinado a respeito .Ora, de inicio encontrará um guia, amara apenas essa pessoa, esse corpo... de modo abnegado e genuíno... de todo coração e alma. A partir desse amor, ira compreender, em um segundo passo, que a beleza de um determinado corpo é irmã de outro qualquer... então se tornará apaixonado de todos os corpos belos e abandonará a violência do amor de um único corpo. E seguirá adiante qdo começará a amar a beleza da mente-alma independente da forma física, perceberá que a beleza da alma é muito mais preciosa do que a do corpo. Então estará pronto para os mistérios maiores: seguirá para o amor pela ética, pelas praticas belas, o amor pelo bem comum e daí pelo amor a ciência em seu âmbito tão vasto - não estará mais preso a beleza de um único objeto, ou pessoa, ou ocupação isolada, estará finalmente voltado ao oceano da beleza que nos cerca ( não seria esse o Reino que Cristo falava?)...

De repente.... "perceberá uma beleza maravilhosa, que não conhece nascimento nem morte, que não aumenta nem diminui... beleza que não se apresenta sob nenhuma forma concreta, como fora o caso de um belo rosto ou belas mãos, ou de qualquer parte do corpo, nem sob o aspecto de discurso ou conhecimento, nem como algo existente em qualquer parte, nem no céu ou na terra ou seja no que for... mas que existe em si e por si mesma e é eternamente una consigo mesma.... vc se apaixona pela a essência que torna todas as coisas belas! -como ver o Sol pela primeira vez , quando tudo antes disso era apenas sombra ou escuridão ... E somente nesse estado, quando contemplamos o Belo com o órgão que o deixa visível ( o espírito) é que ficamos em condições de gerar não simulacros da virtude, mas a própria realidade...e alcançamos enfim a própria imortalidade - esse ja não seria o encontro com o próprio Deus?"

Não seria assim belíssima a odisséia humana?Ver que tudo, absolutamente tudo, se resume unicamente em aprendermos sobre o Amor?

Vc não acreditaria se lhe dissesse que seu corpo funciona mil vezes melhor qdo começa a tentar amar... amar verdadeiramente. E quanto aos conhecimentos, não importa as formulas e os malabarismos científicos, se vc agir sob o crivo do amor, vai alcançar o caminho certo e a verdade estará lá lhe esperando.

E afinal o que é a verdade?

A verdade é o amor.

domingo, 14 de dezembro de 2008

Aí embaixo...

Na sequencia, tem o texto da Nil, o terceiro com "viagens" a partir do Mito de Giges.

O que faz você feliz?

A partir do ponto em que conquistamos o poder de decidir nossos caminhos na vida, fazemos uma série de escolhas com o objetivo de nos tornarmos seres felizes. Muitas vezes nem sequer temos um planejamento visando esse fim e, quanto traçamos esses planos, raramente nos questionamos porque queremos ser felizes dessa e não daquela maneira. Quase nunca pensamos se nosso objetivo é tão somente a posse de riquezas, fama e notoriedade ou se basta simplesmente uma boa família, com potenciais para manter uma “vida digna”, uma vida que para alguns é apenas medíocre. Ou se as duas coisas juntas!

No mundo do depende, os caminhos escolhidos para alcançar o tão visado “paraíso na terra” obedecem a certos valores que determinam essas decisões, sejam elas de grande ou de pequeno impacto. É sobre esses valores que nos propomos pensar aqui, a fim de que tenhamos consciência dos fundamentos sobre os quais se assentam nossas escolhas. Quem sabe assim será mais fácil visualizar os caminhos?

Em A República, de Platão, foi justamente uma escolha que levou o pastor de ovelhas, Giges, do Mito de Giges, a mudar radicalmente sua vida depois de encontrar um anel que lhe dava o poder de se tornar invisível. Com isso, ele poderia ser o que quisesse naquela longínqua Lídia e escolheu ser rei, não importando que para chegar a esse objetivo tivesse que seduzir a rainha, tramar e efetivar com ela o plano de matar o então ocupante do trono. Ele devia acreditar que riquezas e fama o fariam uma pessoa feliz.

Porém, nós que vivemos em uma sociedade midiática, onde os segredos mais íntimos dos ricos e famosos são prato principal na imprensa marrom, nós sabemos que riqueza e fama não necessariamente tornam as pessoas felizes.

Giges tinha a seu favor a certeza da impunidade e conta-se que depois de assumir o poder, foi nele confirmado pelo famoso Oráculo de Delfos, a custa de algumas oferendas. Claro, porque lá, como cá, o dinheiro podia comprar a impunidade. Para nós, nem precisaria mesmo de um anel que nos dissimulasse, porque na prática, hoje em dia é perfeitamente possível se passar por uma pessoa honesta, escondendo debaixo do pano grandes patifarias.

Qual a diferença, então, entre escolher ser um picareta, e ser alguém que vive conforme as melhores regras de civilidade e ética, se, usando ou não um Anel de Giges, é perfeitamente possível gozar da fama de “conduta ilibada” e das benesses conquistadas através da desonestidade, como riqueza material? Se os dois caminhos estão postos, um e outro seriam igualmente válidos para tornar alguém feliz?

Certa vez escutei que somos fruto das nossas escolhas, “ser você é uma condição aceita”. Então, se tenho toda essa gama de caminhos e escolhas que me levam à felicidade, qual será o caminho que se deve desejar?

Sócrates, ainda em A República, ajuda a clarear um pouco essa confusão. Claro que elas são argumentos válidos, em sua maioria, para os espiritualistas, ou seja, aqueles que acreditam que algo sobrevive à morte do corpo.

Ele diz que são três as principais espécies de homens: o FILÓSOFO, aquele que tem como objetivo alcançar o saber, a essência das coisas e a isso dedica sua vida, não se preocupando com as mesquinharias de posses transitórias; o AMBICIOSO, aquele que despreza a busca insensata da riqueza como um prazer grosseiro, mas que vê na fama e nas honrarias o supremo objetivo da vida; e, por fim, o INTERESSEIRO, para quem todo o objetivo de vida se resume na riqueza, uma vez que o dinheiro é o supremo estimulante de todos os outros prazeres, podendo comprar a pompa, alimentar a vaidade e proporcionar uma vida de prazeres sensuais.

A diferença entre essas categorias de homem está justamente nos valores alimentados em cada uma delas. Porém, para Sócrates nem todos esses valores representam caminhos válidos em busca de uma felicidade plena.

Ele diz que uma felicidade duradoura não se mistura com as escolha dos ambiciosos e interesseiros. Fundamenta isso explicando que nossa alma é composta de três elementos: a razão, a cólera e a concupiscência (desejo ardente de bens ou gozos materiais). Ele diz também que, em um homem compete à razão, uma vez que é sábia, o encargo de governar a alma toda, tendo como aliada a cólera, a fim de que juntas possam submeter o elemento concupiscente. Caso contrário, a natureza irascível do homem o escravizará e subverterá todo o conjunto.

Quando alguém aceita fazer algo desonesto, por exemplo, por mais que ninguém se dê conta desse delito, diz Sócrates, a pessoa não tira vantagem nenhuma disso, uma vez que submete a parte mais divina de si mesmo à mais ímpia e miserável. Para quem não acredita na transcendência, equivale a dizer que sua conduta então será impulsiva e impensada, já que permitiu que a razão fosse subjugada ante os mais primitivos instintos, inferiores à categoria de ser pensante, à condição racional que o eleva na escala evolutiva.

Decorre daí que o prazer que essa vantagem venha a proporcionar é sempre misturado com sofrimentos, pois arrastam o homem para baixo. São, de acordo com o filósofo grego, fantasmas de um prazer verdadeiro só alcançável por quem volta sua alma para o que não é transitório, para o mundo das essências, para o Ser e não para apenas para o ter.

Não que Giges não deva ter tido componentes em si de todas as espécies de homem, um pouco do ambicioso, um pouco do interesseiro e até do sábio, quem sabe? Assim como devemos ter nós também. O que ele não fez para atingir uma felicidade mais plena, menos sujeita a mudanças intempestivas, como um golpe de estado que poderia arrebatar-lhe a riqueza, fama e até a vida, foi subjugar o elemento concupiscível.

Para conseguir não se arrastar por essas tendências irascíveis, que podem levar a um estado de felicidade fugaz e instável, o grande filósofo grego nos dá um conselho, nos indicando um meio de fugir ao forte apelo do elemento concupiscente: “faremos como aqueles que, quando estão apaixonados por alguém, e reconhecem que aquele amor não lhes é proveitoso, se afastam dele, embora com esforço”.

sexta-feira, 12 de dezembro de 2008

Falando em Giges....

O texto abaixo é o segundo da série que trata sobre o Mito de Giges, escrito por Josilene Soares (Jô), após as primeiras discussões acerca de A República de Platão.

Nesta obra, Platão leva o leitor a uma busca da justiça, da verdade e do belo em si, induzindo-o à realização de uma auto-reflexão acerca de sua natureza transcendente e imortal.

Giges para todos

GIGES E NÓS NO UMBRAL DA CONSCIÊNCIA

Confesse, ainda que seja só para você mesmo, sem que ninguém desconfie do que lhe vai à mente: o que você faria se estivesse absolutamente certo de quem ninguém jamais descobriria?

Não, não vamos aqui admitir pequenas canalhices como escutar atrás das portas, isso é muito prosaico; pense grande e profundo, sem pressa, agora e durante a leitura deste texto e mesmo depois que desligar o seu PC....

Não, isso não é nenhum texto de auto-ajuda ou coisas do tipo, das tantas que impregnam os sites da Web, muito ao contrário, é fruto de uma idéia de um cara realmente genial chamado Platão, filósofo que nasceu lá pelas tantas do ano 428 a.C. em Atenas e escreveu diversos livros ainda hoje interessantes e atuais, só pra não ser muito efusiva e deixar você curioso demais. Mesmo porque, você ainda deve estar pensando na pergunta que eu fiz.

Porém, não se preocupe, eu explico: em um desses livros, chamado A Republica, Platão conduz o leitor em uma interessante viagem consciencial, onde nos confrontamos com o que há de melhor e pior dentro de cada um de nós e, para isso, utiliza-se de diálogos entre homens cultos.

Em um destes diálogos, buscam os homens cultos conhecer quem é o homem justo e quem é o homem injusto e um cara chamado Glauco, querendo provar que só somos justos por pura conveniência, narra um mito sobre um pastor chamado Giges.

Esse cara, o Giges, encontrou no campo um anel e descobriu que o tal anel tinha poderes mágicos: quando sua pedra era virada para dentro da palma da mão, aquele que o estava usando ficava completamente invisível, podendo fazer o que quer que fosse sem ser visto. Pois adivinhe: o tal de Giges foi até o palácio real de sua cidade, e sem ser visto por ninguém matou o rei, seduziu-lhe a esposa, casando-se com ela, tomando todo o reino para si.

Viu, que perigo? É desse tipo de coisa que eu estava falando quando provoquei você na primeira frase deste texto. Claro que eu não estou pensando nada de mal de você!!!! Eu estou é pensando muito mal de mim, depois que me perguntei essa mesma coisa há cerca de um mês atrás. Sim, porque eu também quis saber do que eu era capaz e não posso contar pra você minhas primeiras conclusões, não, meu caro, lamento.

A única coisa que eu sei até agora, pois não pense que eu parei de me investigar, é que sempre encontramos desculpas para as nossas idiossincrasias, sempre nos perdoamos facilmente e esquecemos-nos de cobrar melhores atitudes sobretudo quando ninguém está olhando, quando só depende de nós sermos justos ou não. Aliás, era exatamente isso que Platão queria que o leitor percebesse, pois julgava que este problema está no cerne de cada ser. Quer ver como é verdade?
Imagine então o que fez com que Galdalf não quisesse assumir a guarda do anel mágico em “O Senhor dos Anéis”, entregando-o ao Frodo, justamente porque ele era puro e bom? Exato!!! Porque o anel revelava a verdadeira índole do seu portador.

E a capa da invisibilidade do Harry Potter? Com ela, inúmeras incursões levaram os personagens a ganhar vantagem sobre inimigos e a acobertar muitos aliados do menino bruxo!!!

Viu? Não é à toa que nós nos damos muito bem quando ninguém está olhando!!!

Mas, sabe, cheguei a algumas conclusões. Não importa o quanto nos perdoamos, nos acobertamos, nos ocultamos dos nossos próprios olhos. A Verdade está dentro de cada um, gritando, suplicando pra ser vista. Invariavelmente, chega um momento em que não suportamos mais a invisibilidade e temos de nos olhar como somos, seja qual for a imagem que faremos de nós quando essa hora chegar.

Por isso, amigo, não desanime. Só há um jeito de saber: se investigando, conhecendo a você mesmo. Vá em frente, você também pode.

Ah, e quanto ao Platão, se você quiser saber mais sobre esse cara, é só ler A República!!!

Por que “Pá de idéia”?

...Porque uma idéia chama outra e acaba juntando um monte q só dá pra apanhar com uma pá!
Então, a gente (Elaini, Jô, Nildene, Paulo Henrique e Venceslau Felipe) resolveu fazer um blog para divulgar nossas viagens. A primeira delas é uma série de textos sobre o Mito de Giges. O que é isso? É só ler, aqui abaixo, porque transcrevemos direto de A República, de Platão... Em seguida, tem o primeiro texto. Na verdade, um poema baseado no mito...

Se gostou comente, se não gostou, comente msm assim...e boa viagem vc tb!


“A permissão a que me refiro seria especialmente significativa se eles recebessem o poder que teve outrora, segundo se conta, o antepassado de Giges, o Lídio. Este homem era pastor a serviço do rei que naquela época governava a Lídia. Cedo dia, durante uma violenta tempestade acompanhada de um terremoto, o solo fendeu-se e formou-se um precipício perto do lugar onde o seu rebanho pastava. Tomado de assombro, desceu ao fundo do abismo e, entre outras maravilhas que a lenda enumera, viu um cavalo de bronze oco, cheio de pequenas aberturas; debruçando-se para o interior, viu um cadáver que parecia maior do que o de um homem e que tinha na mão um anel de ouro, de que se apoderou; depois partiu sem levar mais nada.

Com esse anel no dedo, foi assistir à assembléia habitual dos pastores, que se realizava todos os meses, para informar ao rei o estado dos seus rebanhos. Tendo ocupado o seu lugar no meio dos outros, virou sem querer o engaste do anel para o interior da mão; imediatamente se tomou invisível aos seus vizinhos, que falaram dele como se não se encontrasse ali. Assustado, apalpou novamente o anel, virou o engaste para fora e tomou-se visível.

Tendo-se apercebido disso, repetiu a experiência, para ver se o anel tinha realmente esse poder; reproduziu-se o mesmo prodígio: virando o engaste para dentro, tomava-se invisível; para fora, visível. Assim que teve a certeza, conseguiu juntar-se aos mensageiros que iriam ter com o rei. Chegando ao palácio, seduziu a rainha, conspirou com ela a morte do rei, matou-o e obteve assim o poder.”

(Trecho do Livro II de A República, de Platão)




Sobre o mito de Giges e o anel, na República de Platão.

Andava o lídio em lépido caminho
Arrebanhando ovelha em desalinho
Quando Atlas golpeou o dorso do mundo
Sulcando a crosta num rasgão profundo

Abriu-se-lhe à vista fenda magistral
Enigmática, atraente, sedutora
Em cuja boca esbarraria, se não fora
Suficientemente fraca a sua moral

E palmilhou a vereda enegrecida
Ergueu-se-lhe maravilha inexistente
No mundo dos mortais, pois somente
Na barriga de Gaia há conhecida

Esbarrou diante dum corcel dourado
Erguida em bronze, altiva escultura
Tão fantástica e obscura sepultura
Quão obscuro e fantástico sepultado!

No imo do cavalo estático se alojava
Sobre-humana figura já sem vida
Em um dos dedos mortos repousava
Sonhada jóia que à escuridão convida...

A Giges acometeu súbita vertigem
De incoercível e colossal origem
Obrigando-lhe a manter os olhos junto
Ao encovado olhar do singular defunto

Na palidez daquele vão sombrio
O nada à ambiciosa alma invadira
A qual de pronta vontade aderira
Às tenazes poderosas do vazio...

Coisa tenebrosa então lhe sucedeu
O cadáver contra ele arremeteu
O olhar que nada via lhe enxergava
A boca muda de milênios lhe falava...

“Toma o anel em minha destra engastado”
“E dá vazão à tua ancestral cobiça”
“Entrega-te à luxúria e à injustiça”
“Assassina o rei e te faz o coroado!”

“Nenhuma sorte de males te ameaça”
“Pois a qualquer poder ele ultrapassa”
“Com o artefato de que ora te invisto”
“Tudo podes obrar sem jamais ser visto...”

O pastor acordou do transe horrível
E julgou que loucura lhe alcançava
Mas a sinistra mão ainda lhe ofertava
A encantada jóia de beleza incrível!

Demasiada humilde, a vida de pastor
Para espírito de sua qualidade e primor!
Desejou o cetro da glória e do poder
E os prazeres do palácio pra sorver...

Tomou do anel e da cripta retirou-se
Foi ocupar-se dos seus novos trabalhos
E rasgando sua bondade aos retalhos
À eterna escuridão enfileirou-se...

(Paulo Henrique, no livro O Retalhador de Sombras)

sexta-feira, 5 de dezembro de 2008

Paideia, o que é isso?

Paideia é a definição grega para o processo de aquisição de conhecimento, envolvendo corpo e alma, utilizando-se de subsídios como a música, arte, ginástica, ciências e filosofia.

A idéia deste blog é ser uma praça de discussão, como foi a antiga Agora, na Grecia, palco de diálogos igualitários. Somos um grupo de amigos que desejou partilhar suas discussões íntimas com você.

Caso se sinta provocado pelo que publicarmos daqui pra frente, por favor, queira participar da discussão.

Estaremos esperando você. Até o próximo post!