A vida é uma questão de escolhas... Não importa o que fazemos, estamos sempre separando, distinguindo, dividindo, escolhendo, numa eterna necessidade de reordenar nosso curso, como bússolas quebradas, tentando inutilmente apontar para o norte. Por uma questão de escolha, estou novamente acordada, às duas da manhã, na cozinha de minha casa, sozinha (?) com minhas lembranças e fantasmas. Eu já não havia prometido a mim mesma que nunca mais faria isso? Não pude me conter e me censuro, enquanto juro (outra vez) que nunca mais farei isso de novo.
Houve um tempo em que eu acreditava que tudo é possível realizar, quando se deseja realmente que aconteça algo, ainda que toda a lógica, toda a realidade apontem que não, não é possível realizar tudo o que desejamos. Hoje acredito que há momentos em que temos de escolher se aceitamos ou não as oportunidades que a vida oferece; se escolhemos aceitar, a vida nos conduz por um caminho “x” e se não encaramos a chance oferecida, mudamos totalmente o rumo do caminho e já não podemos reclamar da oportunidade desperdiçada, ainda que vejamos pessoas menos preparadas que nós aceitando os desafios dos quais declinamos e, por puro instinto, encontrando portas e saídas que nós não teríamos escolhido, simplesmente por utilizar como instrumental a lógica e o raciocínio filosófico.
Então me pergunto, e daí? É possível que sejamos egoístas ao ponto de desejarmos que ninguém agarre a oportunidade que desperdiçamos, simplesmente porque nos achamos melhores e mais capazes de desempenhar o trabalho recusado? E mais, se a Vida nos ofereceu uma chance e a desprezamos, poderá esta chance ser negada a alguém desprovido de conhecimento, mas imbuído de boa vontade, ainda que ignorante?
Não, mil vezes não, a ignorância subjaz em todos os campos de oportunidades, mas somente avança quando a luz do conhecimento se enche de pedantismo e escolhe não agir, engolfando as necessidades da Vida numa busca pela ação. Então, se o sábio não caminha, levando à frente a sua luz, o ignorante o faz na escuridão, tropeçando entre as pedras da estrada, feliz com a oportunidade oferecida, sobejo da petulância do sábio que, apesar de conduzir a lanterna, se recusou a seguir caminho.
Quando Voltaire escreveu Cândido, creio haver desejado demonstrar que a vida é uma questão de escolhas mas, também, de conseqüências. E o mundo não é um lugar bonzinho; cada vez que escolhemos ver o lado bom das coisas, desprezando a ordem brutal do mundo para valorizar meias verdades sobre a conformação e harmonia do cosmos, vem a Vida dá-nos uma boa rasteira. Resta-nos, do chão, observar a vida por outro ângulo, o ângulo dos que estão por baixo.
Hoje me vejo sob essa perspectiva, a do caído. Rasteira da Vida tomada, olho ao meu redor e procuro pelos companheiros, com quem aprendi o amor pela ciência e pela filosofia. Procuro, mas estou cercada pela ignorância ingênua, cheia de boa vontade, mas, mesmo assim, é ignorância. Todos os outros se foram com suas lanternas de Diógenes, em busca de respostas. Porque eu fiquei? Porque não escolhi seguir? Se me ressinto da ignorância é porque a conheço, ou será que apenas ainda consigo distinguir meus instintos? Se reconheço minha ação por instinto sou mais ignorante que filósofa, mas então, porque me ressinto?
Sou Cândido! Julgo conhecer a filosofia, senti-la, seguir um mestre, mas não reconheço a sua excelência ou deixei de crer em sua ciência, desde o momento em que me vi caminhando sozinha, longe dos meus iguais. Pergunto-me: caminhei, ou fiquei para traz? Estou à frente ou em sua retaguarda? Meu eu Cândido está perdido, tem girado o mundo das idéias em busca de uma felicidade e harmonia quiméricas que, à maneira das miragens de um deserto, desaparecem às vezes em que julgo estar quase as alcançando.
Eis as conseqüências de escolher ficar: caminhar entre a ignorância e a ânsia de saber. Aterrar-me com as reações instintivas dos que restaram comigo, cegos como eu, tateando os pedrouços da estrada, esperançosos de encontrar a luz. E como para dar-me forças na marcha, me vem à mente Sócrates, cercado de sofistas, cujos amigos eram ouvintes vacilantes, Jesus cercado de fariseus e outros asseclas, cujos amigos eram discípulos ignorantes e desprovidos de fé, Madre Teresa, cercada de Indus fanáticos, cujos amigos eram a gente simples e ignorante das favelas de Calcutá... Diante deles, quem sou eu pra reclamar de quem segue comigo?
Candido tinha como aliados uma velha, um escravo liberto e um mestre amargurado com suas próprias decepções; eu me pergunto: é necessário que nos aliemos a alguém? Não bastará fortaleza de espírito para sermos fiéis às nossas escolhas e conscientes de suas conseqüências?
Duro é olhar ao redor e se descobrir cercado de medo e de constatações de que pensamos saber milhões de coisas, mas esquecemos de cuidar do nosso pobre jardim enquanto ele morre de sede à espera do labor de nossas mãos.
sábado, 31 de janeiro de 2009
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Só a amizade msm pra quebrar a aridez dessa poenta estrada, que é a construção íntima, josinha...
ResponderExcluirMas, sim, por que não reconhecer q sejamos egoístas o suficiente pra querer a paralisia dos q nos cercam quando a gente não quer a fazer nossa parte? Não esqueça de que esse, às vezes, é o único consolo da mediocridade. E nós somos sim, pessoas ordinárias em muitos aspectos.
Porém, como todo ser em processo e paradoxal, temos laivos de sensatez e nessas horas vem um clarão de consciência que nos diz, como Voltaire em O Cândido, que devemos deixar de lado os outros e as especulações e cuidar apenas do nosso jardim. Equilibrar isso de modo a não nos tornarmos solipsistas é difícil e exige de cada um de nós um tremendo esforço. Essa tem sido a lida atual do meu jardim e fico feliz de ver, através da carga q despejou nesse texto, q vc tem avançado nisso a cada dia.
Assim, não me sinto nada só. Espero q vc tb não, pq se olhar pro lado com cuidado, vai me ver por aqui, alma-irmã!
Bjos
Eu sei, sim, querida Nil! Sejamos, pois, nós, os que buscam rasgar os véus do comodismos e da pseudo sabedoria barata. E que a busca nos seja penosa e proveitosa!!!
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