quinta-feira, 8 de janeiro de 2009

Amoroso dilema

“Enquanto não atravessarmos a dor de nossa própria solidão,
continuaremos a nos buscar em outras metades. Para viver a dois, antes, é necessário ser um." (Fernando Pessoa)


Era a primeira vez que passava tanto tempo sem namorada. Também era a primeira vez que ficava assim por opção. Precisava descontrair e parar para pensar um pouco depois do último relacionamento, que além de destrutivo estava provocando uma verdadeira reviravolta no seu jeito de encarar o amor.

Pela milésima vez, se perguntou se não era mais feliz quando acreditava, sem vacilar, que dava pra encontrar alguém com quem podia passar o resto da vida. A questão é que suas convicções estavam abaladas. Desde o início da adolescência pensava q essa proposta de vida a dois duradoura se cultivava ao longo dos anos por um ato de vontade, uma vez definida uma pessoa como parceira. Mas nem tudo era assim tão lógico ou simples.

Os casais que observava e suas próprias experiências amorosas pareciam contradizer essas certezas. Com raras exceções, e ele não se incluía entre elas, ou os casais se traiam mutuamente, ou continuavam a viver como se estivessem eternamente procurando parceira(o), por mais que já tivessem alguém ali do lado. Mas, será que haviam escolhido realmente aquela pessoa? Será q um dia escolheriam? Perguntava-se também o que tanto buscavam? Quando dariam a caça por encerrada? Não estariam procurando mundo afora sem buscar em si mesmas?

Há algum tempo, ele mesmo havia dito a uma pessoa “vc é quem eu mais amo no mundo”, como se não pudesse viver de outra forma, como se sua felicidade dependesse exclusivamente de alguém ou algo que não ele mesmo. Depois dessa solidão auto-imposta, não conseguia mais comparar o amor que sentia pelas pessoas, não dava mais para hierarquizar e era mais feliz agora.

Mesmo com toda essa confusão, ainda sentia, estranhamente, q se tivesse de escolher uma só pessoa pra viver com ela pra sempre nessa vida, várias candidatas entre suas melhores amigas seriam ideais, em igual medida. E não é que tanto fazia, sentia genuíno afeto por algumas amigas mais próximas, um afeto que poderia ser facilmente aprofundado. No fundo, embora não quisesse admitir, ainda se inclinava a acreditar no poder da escolha e achava, pela primeira vez, que não estava interessado apenas no que podia receber das pessoas, mas também no que tinha a oferecer, não em termos de status ou coisas, mas fundamentalmente em termos de amor.

No entanto, se se decidisse por buscar um amor a dois pra toda a vida, se é q isso existia, com certeza teria problemas em encontrar alguém disposto a considerar como sério seu jeito incomum de encarar relacionamentos, seja vendo o amor como um ato de vontade e não-fortuito, seja como algo não inteiramente exclusivista.

É que, se por um lado, percebia pouquíssimas pessoas realmente dispostas a viver com um único outro ser ao longo da vida (elas estavam sempre em uma busca desenfreada por novidades vindas de fora e nunca delas mesmas); por outro lado, via ainda menos pessoas dispostas a vivenciar um amor que não restringisse a capacidade de amar da outra pessoa. No fim, quando acertava encontrar alguém interessado em experimentar o amor, normalmente ela entendia isso como “ame a mim somente, como jamais amou ou amará ninguém”.

O problema é que ele achava que cada pessoa que amava, amava de forma singular, incomparável. Também não acreditava mais em amar só uma pessoa por vez. Não se tratava do clássico conceito de poligamia que as mulheres geralmente imputam aos homens. Não era isso o que propunha, porque entendia a fidelidade do corpo como fronteira mínima do respeito ao outro nesse arriscado experimentalismo.

Mas não via uma razão plausível para evitar estender o seu afeto às pessoas em volta. Na sua cabeça, amar dentro de uma redoma seria só um egoísmo ampliado, do tipo “onde cabia só um, agora cabem dois e basta!”. Mas, então, porque não caber mais gente? Por que não cabe aquela amiga, uma alma-irmã, q liga no meio da madrugada pedindo pra ajudá-la a sair de uma crise depressiva? Por que não cabe o amigo com quem se fez planos de cruzar a América Latina com uma mochila nas costas, mesmo q isso leve vários meses? Por que não cabe a amiga estrangeira por quem enfrentaria sete graus negativos e gastaria até o último vintém para ajudá-la, se ela precisasse?

Suportaria, por sua vez, que a parceira amasse tão livremente tantas pessoas quantas queria ser livre pra amar?

Ele achava que jamais encontraria alguém disposto a repensar um assunto que mexe tanto com o ego, ciúmes e posse. Por outro lado, estava um tanto deslumbrado com a conquista de permanecer tanto tempo só, sem achar isso necessariamente ruim.

Acontece que, por um estranho paradoxo, se mantinha ocupado de um problema que não sabia solucionar: como superar a solidão que queimava o peito no final da noite? E se o amor exclusivista fosse mesmo um dos únicos caminhos pra se chegar ao âmago de outro alguém? É que, entendia ele, se não fosse assim, a outra pessoa dificilmente abriria as portas para alguém chegar lá bem fundo no coração, por mais que ele próprio estivesse disposto a abrir o seu. Reconhecia a sensatez de Erich Fromm, quando dizia que “o desejo de fusão interpessoal é o mais poderoso anseio do homem”, e também quando ele falava da necessidade de reciprocidade, “o amor erótico, se é amor, tem uma premissa: que eu ame da essência de meu ser e experimente a outra pessoa na essência do seu ser.”

E sua cabeça era só dúvida: “será possível viver esse tipo de mergulho sem nos limitarmos a uma só pessoa? Ou, nos ligando a um só, será possível experimentar a outra pessoa na essência do seu ser sem o claustro da posse exclusiva do amor de parte a parte?”

(postado por: Griffin)

5 comentários:

  1. A reflexão é muito corajosa. Claro que uma pessoa não sacia sua necessidade de amar em um único ser amado. O que existem são categorias diferntes de amor: entre parceiros, entre irmão, entre pais e filhos, entre amigos, entre almas-irmãs... e uma categoria não substitui a outra. Bom é preencher todas e mais algumas.
    Direcionar o amor para um único ser amado, além de gerar angústia pode ser desastroso (tem sido). A alma humana é infinita, portanto não pode ser preenchida pelo que é limitado, e, na prática, todos somos. É essa concentração insana do afeto que gera a sensação absurda da posse.
    Pode-se dizer que é mais ou menos assim: "Se eu só posso amar você, então você tem que se virar para, sozinho, preencher todas as minhas necessidades e dar todas as respostas. Ninguém pode. Ninguém consegue dar um feedback dessa grandeza. Por isso vem a crise, chegam às separações. Porque vivemos uma crise de conceito sobre o amor e romper com ela não implica em trair o parceiro, mas numa compreensão compartilhada das necessidades de amar do outro.
    Sou casada e apaixonada pelo meu amor. Estamos juntos há oito anos. Temos dois filhos. Às vezes, incentivo ele a sair com um ou mais amigos solteiros ou não... pode ser para uma festa. Fico em casa lendo um livro. Em paz. Sei que é bom pra ele. Ele precisa de outras pessoas, conversar com outras mentes, desabafar e ouvir algo diferente do que eu digo. Talvez ficar um pouco com ele mesmo. Vejo como ele se sente bem e sempre volta mais amoroso comigo. Se um dia ele resolver trocar de parceira... também é um direito que tem. E não será prendendo-o que vou excluir essa possibiidade. Nem quero. Nossa história fica mais leve, com muito mais amor e com um amor muito mais verdadeiro, muito mais interessado no bem-estar do outro.
    Sou bailarina de dança oriental. Às vezes me apresento com roupas que expõem bastante o corpo. Ele faz a parte dele. "Segura a onda" e vai pra platéia me aplaudir, ao invés de me impedir. Sabe que isso faz parte de mim. Ele faz também um pouco a parte dele nesse rompimento de velhos conceitos. Faz o que consegue e valorizo muito.
    Mas é claro que muitos à nossa volta não entendem nossas escolhas diferenciadas. Porque essa crise no conceito do amor não é nova. É uma crise que é milenar. Que se transformou numa crença social, num pré-requisito de decência e ropmper com ela tem um preço. Alto. Vai doer. Mas vai gerar vida. Mas vai mudar o mundo que há dentro das pessoas, de nós mesmos. Precisamos encontrar pessoas que tenham coragem. Eu preciso ter. Você também.

    Mônica Sousa - jornalista e bailarina

    (monica.sousa.costa@bol.com.br)

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  2. ameei!não tinha lido um texto que mostrasse tão claramente os meus pensamentos... o dilema do amar e ser amado mas principalemnte, de amar a si mesmo, é o mais belo e complexo de todos; isso pq é fácil querer ser amado, mas dar a oportunidade de amar a si mesmo e a outros ao redor eh bem mais difícil; eh mais fácil se trancar no egoísmo e na vida reservada, do que se doar aos outros e aceitar a doação dos mesmos! Fiquei muito feliz, to adorando essa proposta do "Pá de idéia".. amor é a melhor coisa a se tratar.. e não dizendo que amar eh bom e q a vida só eh vida qnd ele existe.. mas questionando: "pq esse 'amar' é tão bom?", "pq não conseguimos seguir nossas vidas sem esse amor?".. parabéns ao autor do texto e aos outros integrantes.

    bjoo. amo vocês ^^

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  3. Sempre amei demasiadamente aos meus amigos. Sempre os quis comigo, ao meu lado, buscando uma proximidade, para muitos, chocante. Entre os "muitos", meu marido que, no início do nosso relacionamento e primeiros anos de casamento, não conseguia compreender tal necessidade.
    No entanto, ao tempo em que hoje não me vejo sem este amor homem, companheiro, marido, amigo... também não me vejo sem estes demais amores que considero vitais.
    Como você, cara Mônica, também estimulo meu marido a encontrar os amigos, nunca pergunto onde esteve quando chega tarde, nunca bisbilhoto sua vida particular... faz parte do espaço vital que cada um tem obrigação de preservar em si mesmo e no outro.
    Porém, sinto que algumas vezes ele entende esta liberalidade como falta de amor de minha parte, pois faço questão de manter este círculo de espaço vital. Prova disso é esse blog, do qual orgulhosamente faço parte e ele não, por opção, não por falta de convite. É ele o meu mais recente espaço que utilizo para dizer e pensar o que sinto de forma livre.
    No fundo, acredito que todos os casais poderiam ser assim, se os indivíduos não fossem por demais exclusivistas e egoístas e não confundissem amor com escravidão total de sentimentos, pendores, vontades, condutas... todo um mar de movimentos tolhedores da liberdade do outro, enfim.
    Acredito que tais atitudes são fruto direto da insegurança dos parceiros, por não se verem como potenciais fontes de atração para o ser amado, por julgarem que "liberto" das amarras milenares do casamento convencional o ser amado buscará e encontrará "novidades" capazes de arrebatá-lo inevitavel e invariavelmente.
    Mais remotamente admitirão os tradicionalistas ser possível que o parceiro ou parceira se encante em gualdade de condições por ele e mais alguém ao mesmo tempo, porque dificilmente se sentiriam seguros de que tal envolvimento não descambasse para um envolvimento afetivo-sexual, o que é pena, pois limita a maravilhosa experiência de amar por repressão de carências sexuais, conforme demonstra o maravilhoso e feliz texto de Grifinn.
    Se esquecem, porém, de observar que o ser amado nunca está de todo atado, tolhido e cego aos apelos do mundo exterior, nem suficientemente ao limitado universo dos dois que se bastam (se bastam?) e poderá romper as amarras (desesperadoramente, a qualquer minuto!) para aí, sim, não mais desejar estar preso ao parceiro-carcereiro.
    Foi com alegria que li seu comentário, Mônica, uma vez que percebo não estar só na multidão das esposas e com orgulho que li o de minha preciosa Ninne, que torna-se aos poucos mulher, já tão consciente e adulta!!!!
    Um grande abraço às duas, continuem nos prestigiando e nos incentivando. Grata de todo meu coração.
    Beijos, JÔ.

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  4. Pôxa vida só vcs mesmos para terem uma idéia tão maravilhosa de criar um blog como este...adorei os textos,cada um melhor que o outro e que "nos forçam" a esse exercício (normalmente esquecido)de pensar,questionar,refletir sobre nossos atos,nossas convicções,nossos sentimentos...adorei!Muitas saudades de vcs,viu gente?Apesar de ter me distanciado do grupo vcs moram no meu coração e continuo amando cada um viu Jô,Nil,Paulinho,Elaini...sempre que eu puder vou dar uma passadinha aqui, pra não quebrar mais o elo,beijos!

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  5. Querida Nayana, é um prazer e uma alegria tê-la aqui conosco. Obrigada pelo incentivo.
    Beijos da JÔ e da turma pra você!

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