terça-feira, 6 de janeiro de 2009

Por amor a Sócrates

Dentre as personagens que rondam o imaginário humano acerca do grande filósofo Sócrates uma há que é comicamente tratada ao longo dos séculos: Xantipa. Diz-se que foi uma das esposas do filósofo, célebre pelo mau humor e antipatia, de caráter irascível e escandaloso, entrou para a história como uma megera que estava sempre a censurar o marido e tratá-lo pessimamente, sobretudo em público; Conta-se que lhe rasgava a túnica na via pública ou lhe jogava água às vestes, a fim de forçá-lo a tirá-las...

Francamente, se alguém sabe de algo realmente simpático acerca de Xantipa, por favor, traga a público, pois estou farta de ler acerca das péssimas atitudes dessa mulher! Xantipa era uma esposa; agora eu lhes pergunto: o que esperar de uma esposa? O que espera um homem de sua esposa ao se casar? Pois é certo que Sócrates conhecia os deveres que se esperava que uma esposa cumprisse.

De uma esposa à época de Sócrates, um marido exigia que se dedicasse a casa e à geração dos filhos, que estivesse satisfeita com o que o marido desejasse fazer da vida, que não se importasse com o fato de que o marido vivesse na Agora discutindo política, filosofia, arte, etc. Hoje se espera muito mais de uma mulher! Que seja boa mãe, boa cozinheira, profissional bem sucedida, linda e magra, uma fera nos negócios e uma criatura indomável e insaciável na cama, não necessariamente nessa ordem.

E Xantipa, alguém por acaso parou para imaginar o que esperava ela de seu marido, Sócrates? Se você é casada, sabe o que ela esperava... Sócrates provavelmente não era um bom marido, na opinião de Xantipa. Mal cheiroso, descalço e quase sempre vestido em uma túnica imunda, imagine um marido assim... Sócrates se vangloriava da sua condição de não apegado aos luxos e confortos, tinha uma vida frugal, evitava comer e beber quando não tinha fome ou sede.

Se você está defendendo o desapego de Sócrates, seu desamor pelos bens materiais, sua superioridade moral que o permitia suportar uma esposa assim, me desculpe, você é um grande sofista! E só pensa assim porque não era você quem dormia ao lado de Sócrates, era Xantipa! Ademais, Sócrates admitia de bom grado um bom banho, roupas limpas e perfume, desde a ocasião valesse o esforço de encontrar cidadãos belos e limpos para um grande jantar, como ocorre na obra O Banquete, guardadas as devidas proporções, já que o texto é atribuído a Platão, mas creio que em algum momento ele tomava um banho de bom grado.

Mais que ser mulher de Sócrates, Xantipa foi submetida à vida austera e pobre do marido, à qual provavelmente não compreendia; se ele se alimentava frugalmente e não trabalhava, certamente sua família se alimenta mal, não tinham conforto e viviam de forma modesta, para não dizer miserável...

Não consigo deixar de imaginar... Tanto tempo dedicado à educação de jovens, tantos diálogos com nobres mentes do mundo grego... Que tempo Sócrates dedicava a Xantipa? É certo que Sócrates a amava; deixou claro isso várias vezes, há relatos acerca da tolerância e paciência com que suportava os achaques de sua mulher...

Infelizmente, não conheço relatos acerca da paciência de Xantipa para com Sócrates. Para mim, porém, ela está implícita nos muitos anos que viveram juntos. Acredito que Xantipa pudesse compreender melhor o marido se este a tivesse considerado mais que a genitora de sua prole, mais que a mulher geniosa, a quem ele apreciava domar com um potro selvagem, utilizando-se da ira dela para exercitar o próprio espírito.

Xantipa, ao que parece, não era apreciadora da vasta sabedoria de Sócrates, o que não quer dizer que não se importasse com ele. Posso imaginar a dor moral desta mulher, ao ver seu marido se tornar objeto de chacota entre os que o atacavam e que certamente não eram poucos. Daí se compreender porque Xantipa se via na obrigação de obrigar-lhe ao banho, à troca das vestes. Imagino também porque entrou para a história como uma megera. Foi descrita por homens, contemporâneos de Sócrates, que a viam como a intransigente criatura que lhe interrompia os discursos e o arrastava ao lar, obrigava-o à higiene, mostrava-lhe que havia um mundo fora das idéias.

Quando Sócrates foi condenado à morte tomando cicuta, Xantipa foi a primeira pessoa a ser retirada do local onde ocorreria sua morte. Devido a um ataque histérico, foi socorrida e levada para longe do marido, que morreu placidamente ao lado de seus admiradores e amigos próximos. Ora, se Xantipa era tão irascível, porque então se desesperou com a morte de Sócrates?

Talvez porque só compreendesse o casamento como uma troca de favores, um sentimento prático e utilitarista a afastava dos ideais do marido. Teria ela, provavelmente, preferido ser casada com um homem comum, distante dos discursos e da histórica fama, desde que este homem lhe tivesse proporcionado uma vida menos cheia de privações materiais.

E afinal, não terá sido o amor de Sócrates utilitarista também? Não teria ele aproveitado tudo o que podia de sua relação com Xantipa, deixando-a entregue às suas preocupações materiais e vivendo acima das dores de que ela se queixava?

A maioria dos casamentos que conheço é assim. Uma troca constante de favores, em que os indivíduos sugam do outro aquilo que desejam, enquanto desejam, sem se importar em conhecer melhor o parceiro ou parceira. E quando ao longo dos anos de convivência finalmente se conhecem, bem poucos estão dispostos a aceitar o outro como é, sem tentar moldá-lo e transformá-lo ao seu bel prazer.

Será que apenas Sócrates amou e aceitou Xantipa? O senso prático dela terá sido a ligação entre o amor ideal e o amor paixão, que alimentou por Sócrates, apesar de haver sofrido com o temperamento do marido?


Não importa se Xantipa entendeu ou não Sócrates. Importa compreender que o amor que dedicamos a outrem deve se basear na doação e na compreensão, que passa necessariamente pelo amor de si e pela capacidade de aceitar o outro como ele é. Não se pode amar a outrem mais que a si mesmo, confundindo a sublimidade da doação com a escravidão aos desejos e paixões de outrem, mesmo quando se é correspondido, sob pena de alimentar um vício perigoso: o egoísmo. Quem não ama a si mesmo é incapaz de amar alguém.

E como é difícil escolher de que lado ficar! É tão fácil julgar as aparências, o que parece ser bom, o que parecer ser mau... Sinto minha consciência digladiar-se entre estes dois pontos: amar verdadeiramente o melhor possível a uma pessoa ou amar o melhor possível a humanidade inteira? Seguir o exemplo de Sócrates ou assumir minha porção Xantipa?

Ah, como desejamos que o mundo seja inteiramente dividido entre o bem e mau, o preto e o branco, o certo e o errado... Mas não! Não existe ninguém tão bom que não abrigue em seu peito o mau, nem tal mau que não abrigue em sua alma algum fragmento do bem. E as cores... Bem, no mundo, encontramos todas as cores do arco-íris, apesar de nossa limitada visão.

6 comentários:

  1. Xantipa certamente farias o maior sucesso hj em dia... deve ser uma Maysa da vida (aquela da minissérie, to viciada! =D). O que kero dizer, eh q ela lutou e fez barraco, só q tava no tempo errado. Queria ver alguem falar bem delaa.
    Até pq, ninguém é de todo mau ou de todo bom.

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  2. Em verdade, Xantipa foi retirada do local do martírio porque tentou, novamente, agredir o marido... Ora, além de condenado, deveria ainda ser espancada por tão irascível esposa?

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  3. se xantipa tentou espancar o marido, com certeza foi de desespero... essa mulher amava socrates. cada individuo tem sua forma de demonstrar amor, detesto pessoas que tentam explicar ou generalizar tudo. excelente o texto. parabéns!

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  4. Olá. Você sabe de quem é o quadro de Xantipa no post?

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  5. ela pode ter cogitado a possibilidade de agredi-lo, porque o mesmo preferiu a morte a deixar de dar aulas ou ao exílio, ele escolheu sua sentença!

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  6. ela pode ter cogitado a possibilidade de agredi-lo, porque o mesmo preferiu a morte a deixar de dar aulas ou ao exílio, ele escolheu sua sentença!

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