Conta-se que ele era só um adolescente quando seu pai morreu, deixando a família sem nenhuma fonte de renda. Teve de trabalhar para ajudar no sustento da mãe, da irmã e da avó. O sonho de ser escritor acabou adiado, em razão da urgência de entrar para a faculdade de medicina, que levava paralelamente à prática do jornalismo e das aulas particulares que ministrava.
Por afinidade com a educação, passou a freqüentar também o curso de pedagogia, tendo depois concluído os estudos de medicina e graduado-se em pediatria. Anos mais tarde, seu talento no trato com as crianças e seus conhecimentos como pedagogo lhe renderam a diretoria de um orfanato. Foi aí que se mostrou em todo esplendor o amor de Janusz Korczak pelas crianças. Um amor que o levou a ficar conhecido não só como médico ou escritor, mas como um dos grandes educadores do Séc. XX. Porém, não só isso. Esse polonês de origem judaica levou ao extremo seu amor pedagógico, ao morrer junto com os órfãos no campo de concentração nazista de Treblinka, após a invasão da Polônia pelo exército alemão, na Segunda Guerra Mundial.
Mas o que poderia ter levado um intelectual, um prático da educação como Korczak a esse ponto, já que anos antes teve a chance de sair do país? Isso equivale a perguntar de que matéria é feita a alma dos mártires. Uma pista está em uma das obras escritas por ele. Mais precisamente no livro “Como Amar uma Criança”, onde Korczak nos deixa o seguinte pensamento: “eu existo não para que me amem e admirem, mas para que eu mesmo aja e ame. Todos os que me cercam não têm o dever de me ajudar, porém meu dever é cuidar dos que me cercam, cuidar do ser humano”.
De tempos em tempos a humanidade toma conhecimento da existência de pessoas aparentemente comuns que depois revelam um especial talento para abranger no seu amor mais que uma só pessoa, mais que os seus, falando de família sanguínea e dos amigos mais próximos. Um exemplo de amor tão amplo e extremado como o de Korczak nos parece irreal, diante da forma de amor de que comumente somos capazes. Geralmente, ligamos nosso amor a um objeto, a um ser amado ou a alguns seres que escolhemos para amar. Assim, é comum sofrermos horrores quando somos deixados, traídos, frustrados nesse amor que demos e que, acreditamos, nos dá o direito de receber em troca.
Isso nos leva a questionar se sabemos realmente amar. Se nos ocuparmos mais amplamente desse problema, veremos que não somos os únicos. Grandes mestres da humanidade já se debruçaram sobre isso para tentar descobrir porque o amor é ao mesmo tempo fonte de grandes prazeres e de grandes dores para o homem.
Vemos, por exemplo, em O Banquete, de Platão, que Diotima ao dar a Sócrates uma lição sobre o amor, ensina que o amor é o desejo de possuir para sempre o que é bom e o que é belo, é o desejo da imortalidade. Já no Séc. XX, o psicanalista alemão Erich Fromm chega à mesma conclusão de Platão, aplicando uma leitura correlata ao amor. Para ele, essa busca da imortalidade se traduz melhor como a busca por uma integração universal com tudo que existe, com a natureza e tudo que nos cerca.
Um dos mais brilhantes teóricos da Psicanálise, esse que também foi um revisor de Freud, diz que a consciência de si mesmo, a razão, promove no homem também a consciência de sua solidão, de sua separação e descontrole diante das forças da natureza. Segundo ele, todos nós buscamos superar essa separação, esse estado de “insuportável solidão”. Mas de que jeito superar essa angústia?
Fromm diz que há muito tempo os caminhos tentados pela humanidade são basicamente os mesmos: a religiosidade, a excitação de estágios orgíacos, a conformação a uma rotina e ordem social pré-estabelecida, as artes e atividades criadoras em geral. Porém, a resposta mais completa para romper esse ciclo de solidão e separação seria, para Erich Fromm, o amor: “o desejo de fusão interpessoal é o mais poderoso anseio do homem”, afirma.
Mas existem, segundo ele, as formas de amor imaturas: união simbiótica (com anulação de uma identidade própria); masoquismo (consiste em se deixar subjugar pelo outro); e sadismo (consiste em subjugar o outro). Esse amor imaturo redundaria nos sofrimentos e frustração ilustrados acima. Já o amor maduro, seria uma “união sob a condição de preservar a integridade própria”, teoriza o psicanalista e, portanto, com mais chances de nos levar ao lado apenas prazeroso do amor, já que está mais centralizado em nós mesmos e não na dependência do objeto do nosso amor.
Para explicar isso melhor, Fromm toma emprestado de Spinoza, um racionalista holandês do século XVII, a diferença entre afetos ativos e passivos. Ele diz que o caráter ativo do amor consiste, antes de tudo em dar: “dar é mais alegre do que receber, não por ser uma privação, mas porque no ato de dar encontra-se a expressão da minha vitalidade”, disse Spinoza. Assim, o ato de dar amor seria, em si mesmo, um ato de requintada alegria, desde que não veja o outro como meio para se obter algo de volta, e sim como um fim em si.
Porém, esse ato de dar, tal como Fromm o descreve, só poderia ser atingido por quem desenvolveu o próprio caráter a ponto de superar aspectos de si mesmo, como dependência, onipotência narcisista, desejo de explorar o outro ou de amealhar. Depende de ter fé em seus poderes humanos, diz ele...Fromm continua, afirmando que, na medida em que faltarem essas qualidades, a pessoa será temerosa em dar e também em amar de forma madura.
Para chegarmos a esse nível de vivência do amor, Diotima, em suas lições para Sócrates, traça uma interessante rota. Diz ela que, após ter partido da admiração da beleza de um só corpo, devemos ver essa beleza em todos os corpos. Depois, considerar como mais preciosa a beleza da alma que dos corpos. Então, o próximo estágio do desenvolvimento do amor será verificar a beleza que há nas belas atividades e práticas, no bem comum e no conhecimento.
Nesse ponto, o aprendiz do amor não irá se amesquinhar na percepção da beleza de um só, não mais será escravo da necessidade de receber e sim produzirá beleza e amor em profusão, ensina Diotima. Terá também conquistado o afeto ativo de Spinoza, o amor maduro de Fromm, como parece ter sido o caso de Korczak, que não esperou reconhecimento pelos seus atos, mas sentia uma profunda alegria em simplesmente compartilhar com o mundo suas descobertas sobre o amor, através de palavras e atos.
Por afinidade com a educação, passou a freqüentar também o curso de pedagogia, tendo depois concluído os estudos de medicina e graduado-se em pediatria. Anos mais tarde, seu talento no trato com as crianças e seus conhecimentos como pedagogo lhe renderam a diretoria de um orfanato. Foi aí que se mostrou em todo esplendor o amor de Janusz Korczak pelas crianças. Um amor que o levou a ficar conhecido não só como médico ou escritor, mas como um dos grandes educadores do Séc. XX. Porém, não só isso. Esse polonês de origem judaica levou ao extremo seu amor pedagógico, ao morrer junto com os órfãos no campo de concentração nazista de Treblinka, após a invasão da Polônia pelo exército alemão, na Segunda Guerra Mundial.
Mas o que poderia ter levado um intelectual, um prático da educação como Korczak a esse ponto, já que anos antes teve a chance de sair do país? Isso equivale a perguntar de que matéria é feita a alma dos mártires. Uma pista está em uma das obras escritas por ele. Mais precisamente no livro “Como Amar uma Criança”, onde Korczak nos deixa o seguinte pensamento: “eu existo não para que me amem e admirem, mas para que eu mesmo aja e ame. Todos os que me cercam não têm o dever de me ajudar, porém meu dever é cuidar dos que me cercam, cuidar do ser humano”.
De tempos em tempos a humanidade toma conhecimento da existência de pessoas aparentemente comuns que depois revelam um especial talento para abranger no seu amor mais que uma só pessoa, mais que os seus, falando de família sanguínea e dos amigos mais próximos. Um exemplo de amor tão amplo e extremado como o de Korczak nos parece irreal, diante da forma de amor de que comumente somos capazes. Geralmente, ligamos nosso amor a um objeto, a um ser amado ou a alguns seres que escolhemos para amar. Assim, é comum sofrermos horrores quando somos deixados, traídos, frustrados nesse amor que demos e que, acreditamos, nos dá o direito de receber em troca.
Isso nos leva a questionar se sabemos realmente amar. Se nos ocuparmos mais amplamente desse problema, veremos que não somos os únicos. Grandes mestres da humanidade já se debruçaram sobre isso para tentar descobrir porque o amor é ao mesmo tempo fonte de grandes prazeres e de grandes dores para o homem.
Vemos, por exemplo, em O Banquete, de Platão, que Diotima ao dar a Sócrates uma lição sobre o amor, ensina que o amor é o desejo de possuir para sempre o que é bom e o que é belo, é o desejo da imortalidade. Já no Séc. XX, o psicanalista alemão Erich Fromm chega à mesma conclusão de Platão, aplicando uma leitura correlata ao amor. Para ele, essa busca da imortalidade se traduz melhor como a busca por uma integração universal com tudo que existe, com a natureza e tudo que nos cerca.
Um dos mais brilhantes teóricos da Psicanálise, esse que também foi um revisor de Freud, diz que a consciência de si mesmo, a razão, promove no homem também a consciência de sua solidão, de sua separação e descontrole diante das forças da natureza. Segundo ele, todos nós buscamos superar essa separação, esse estado de “insuportável solidão”. Mas de que jeito superar essa angústia?
Fromm diz que há muito tempo os caminhos tentados pela humanidade são basicamente os mesmos: a religiosidade, a excitação de estágios orgíacos, a conformação a uma rotina e ordem social pré-estabelecida, as artes e atividades criadoras em geral. Porém, a resposta mais completa para romper esse ciclo de solidão e separação seria, para Erich Fromm, o amor: “o desejo de fusão interpessoal é o mais poderoso anseio do homem”, afirma.
Mas existem, segundo ele, as formas de amor imaturas: união simbiótica (com anulação de uma identidade própria); masoquismo (consiste em se deixar subjugar pelo outro); e sadismo (consiste em subjugar o outro). Esse amor imaturo redundaria nos sofrimentos e frustração ilustrados acima. Já o amor maduro, seria uma “união sob a condição de preservar a integridade própria”, teoriza o psicanalista e, portanto, com mais chances de nos levar ao lado apenas prazeroso do amor, já que está mais centralizado em nós mesmos e não na dependência do objeto do nosso amor.
Para explicar isso melhor, Fromm toma emprestado de Spinoza, um racionalista holandês do século XVII, a diferença entre afetos ativos e passivos. Ele diz que o caráter ativo do amor consiste, antes de tudo em dar: “dar é mais alegre do que receber, não por ser uma privação, mas porque no ato de dar encontra-se a expressão da minha vitalidade”, disse Spinoza. Assim, o ato de dar amor seria, em si mesmo, um ato de requintada alegria, desde que não veja o outro como meio para se obter algo de volta, e sim como um fim em si.
Porém, esse ato de dar, tal como Fromm o descreve, só poderia ser atingido por quem desenvolveu o próprio caráter a ponto de superar aspectos de si mesmo, como dependência, onipotência narcisista, desejo de explorar o outro ou de amealhar. Depende de ter fé em seus poderes humanos, diz ele...Fromm continua, afirmando que, na medida em que faltarem essas qualidades, a pessoa será temerosa em dar e também em amar de forma madura.
Para chegarmos a esse nível de vivência do amor, Diotima, em suas lições para Sócrates, traça uma interessante rota. Diz ela que, após ter partido da admiração da beleza de um só corpo, devemos ver essa beleza em todos os corpos. Depois, considerar como mais preciosa a beleza da alma que dos corpos. Então, o próximo estágio do desenvolvimento do amor será verificar a beleza que há nas belas atividades e práticas, no bem comum e no conhecimento.
Nesse ponto, o aprendiz do amor não irá se amesquinhar na percepção da beleza de um só, não mais será escravo da necessidade de receber e sim produzirá beleza e amor em profusão, ensina Diotima. Terá também conquistado o afeto ativo de Spinoza, o amor maduro de Fromm, como parece ter sido o caso de Korczak, que não esperou reconhecimento pelos seus atos, mas sentia uma profunda alegria em simplesmente compartilhar com o mundo suas descobertas sobre o amor, através de palavras e atos.
Adorei o texto! Está muito boa a relação entre Korzcak, Platão e Fromm!
ResponderExcluirDora Incontri