Numa nova leitura, enfrentamos os percalços e perigos de ler o iluminista Voltaire, famoso pela personalidade contagiante e conflituosa, cuja sinceridade e crítica mordaz provocou a ira de governos e da Igreja, ao ponto de, em determinados momentos, nenhum país da Europa ser bastante seguro para preservar-lhe a vida...
Ao ler Cândido, nos encontramos tomados de espanto, verificando abismados não conhecer nada acerca de nossas próprias crenças e certezas, abraçando-as maquinalmente, sem questionarmos o porquê de fazê-lo. Nos acompanhe na produção dos novos textos, fruto desta reflexão e constatação de sermos possuidores da mais genuína ignorância, como sói apetecer aos que buscam a filosofia.
De início, um texto de JÔ, escrito ainda sob o impacto das últimas frases da obra. Lembre-se: seu comentário ou produção textual é importante para nós!!!!
sábado, 31 de janeiro de 2009
Uma Incômoda Verdade
A vida é uma questão de escolhas... Não importa o que fazemos, estamos sempre separando, distinguindo, dividindo, escolhendo, numa eterna necessidade de reordenar nosso curso, como bússolas quebradas, tentando inutilmente apontar para o norte. Por uma questão de escolha, estou novamente acordada, às duas da manhã, na cozinha de minha casa, sozinha (?) com minhas lembranças e fantasmas. Eu já não havia prometido a mim mesma que nunca mais faria isso? Não pude me conter e me censuro, enquanto juro (outra vez) que nunca mais farei isso de novo.
Houve um tempo em que eu acreditava que tudo é possível realizar, quando se deseja realmente que aconteça algo, ainda que toda a lógica, toda a realidade apontem que não, não é possível realizar tudo o que desejamos. Hoje acredito que há momentos em que temos de escolher se aceitamos ou não as oportunidades que a vida oferece; se escolhemos aceitar, a vida nos conduz por um caminho “x” e se não encaramos a chance oferecida, mudamos totalmente o rumo do caminho e já não podemos reclamar da oportunidade desperdiçada, ainda que vejamos pessoas menos preparadas que nós aceitando os desafios dos quais declinamos e, por puro instinto, encontrando portas e saídas que nós não teríamos escolhido, simplesmente por utilizar como instrumental a lógica e o raciocínio filosófico.
Então me pergunto, e daí? É possível que sejamos egoístas ao ponto de desejarmos que ninguém agarre a oportunidade que desperdiçamos, simplesmente porque nos achamos melhores e mais capazes de desempenhar o trabalho recusado? E mais, se a Vida nos ofereceu uma chance e a desprezamos, poderá esta chance ser negada a alguém desprovido de conhecimento, mas imbuído de boa vontade, ainda que ignorante?
Não, mil vezes não, a ignorância subjaz em todos os campos de oportunidades, mas somente avança quando a luz do conhecimento se enche de pedantismo e escolhe não agir, engolfando as necessidades da Vida numa busca pela ação. Então, se o sábio não caminha, levando à frente a sua luz, o ignorante o faz na escuridão, tropeçando entre as pedras da estrada, feliz com a oportunidade oferecida, sobejo da petulância do sábio que, apesar de conduzir a lanterna, se recusou a seguir caminho.
Quando Voltaire escreveu Cândido, creio haver desejado demonstrar que a vida é uma questão de escolhas mas, também, de conseqüências. E o mundo não é um lugar bonzinho; cada vez que escolhemos ver o lado bom das coisas, desprezando a ordem brutal do mundo para valorizar meias verdades sobre a conformação e harmonia do cosmos, vem a Vida dá-nos uma boa rasteira. Resta-nos, do chão, observar a vida por outro ângulo, o ângulo dos que estão por baixo.
Hoje me vejo sob essa perspectiva, a do caído. Rasteira da Vida tomada, olho ao meu redor e procuro pelos companheiros, com quem aprendi o amor pela ciência e pela filosofia. Procuro, mas estou cercada pela ignorância ingênua, cheia de boa vontade, mas, mesmo assim, é ignorância. Todos os outros se foram com suas lanternas de Diógenes, em busca de respostas. Porque eu fiquei? Porque não escolhi seguir? Se me ressinto da ignorância é porque a conheço, ou será que apenas ainda consigo distinguir meus instintos? Se reconheço minha ação por instinto sou mais ignorante que filósofa, mas então, porque me ressinto?
Sou Cândido! Julgo conhecer a filosofia, senti-la, seguir um mestre, mas não reconheço a sua excelência ou deixei de crer em sua ciência, desde o momento em que me vi caminhando sozinha, longe dos meus iguais. Pergunto-me: caminhei, ou fiquei para traz? Estou à frente ou em sua retaguarda? Meu eu Cândido está perdido, tem girado o mundo das idéias em busca de uma felicidade e harmonia quiméricas que, à maneira das miragens de um deserto, desaparecem às vezes em que julgo estar quase as alcançando.
Eis as conseqüências de escolher ficar: caminhar entre a ignorância e a ânsia de saber. Aterrar-me com as reações instintivas dos que restaram comigo, cegos como eu, tateando os pedrouços da estrada, esperançosos de encontrar a luz. E como para dar-me forças na marcha, me vem à mente Sócrates, cercado de sofistas, cujos amigos eram ouvintes vacilantes, Jesus cercado de fariseus e outros asseclas, cujos amigos eram discípulos ignorantes e desprovidos de fé, Madre Teresa, cercada de Indus fanáticos, cujos amigos eram a gente simples e ignorante das favelas de Calcutá... Diante deles, quem sou eu pra reclamar de quem segue comigo?
Candido tinha como aliados uma velha, um escravo liberto e um mestre amargurado com suas próprias decepções; eu me pergunto: é necessário que nos aliemos a alguém? Não bastará fortaleza de espírito para sermos fiéis às nossas escolhas e conscientes de suas conseqüências?
Duro é olhar ao redor e se descobrir cercado de medo e de constatações de que pensamos saber milhões de coisas, mas esquecemos de cuidar do nosso pobre jardim enquanto ele morre de sede à espera do labor de nossas mãos.
Houve um tempo em que eu acreditava que tudo é possível realizar, quando se deseja realmente que aconteça algo, ainda que toda a lógica, toda a realidade apontem que não, não é possível realizar tudo o que desejamos. Hoje acredito que há momentos em que temos de escolher se aceitamos ou não as oportunidades que a vida oferece; se escolhemos aceitar, a vida nos conduz por um caminho “x” e se não encaramos a chance oferecida, mudamos totalmente o rumo do caminho e já não podemos reclamar da oportunidade desperdiçada, ainda que vejamos pessoas menos preparadas que nós aceitando os desafios dos quais declinamos e, por puro instinto, encontrando portas e saídas que nós não teríamos escolhido, simplesmente por utilizar como instrumental a lógica e o raciocínio filosófico.
Então me pergunto, e daí? É possível que sejamos egoístas ao ponto de desejarmos que ninguém agarre a oportunidade que desperdiçamos, simplesmente porque nos achamos melhores e mais capazes de desempenhar o trabalho recusado? E mais, se a Vida nos ofereceu uma chance e a desprezamos, poderá esta chance ser negada a alguém desprovido de conhecimento, mas imbuído de boa vontade, ainda que ignorante?
Não, mil vezes não, a ignorância subjaz em todos os campos de oportunidades, mas somente avança quando a luz do conhecimento se enche de pedantismo e escolhe não agir, engolfando as necessidades da Vida numa busca pela ação. Então, se o sábio não caminha, levando à frente a sua luz, o ignorante o faz na escuridão, tropeçando entre as pedras da estrada, feliz com a oportunidade oferecida, sobejo da petulância do sábio que, apesar de conduzir a lanterna, se recusou a seguir caminho.
Quando Voltaire escreveu Cândido, creio haver desejado demonstrar que a vida é uma questão de escolhas mas, também, de conseqüências. E o mundo não é um lugar bonzinho; cada vez que escolhemos ver o lado bom das coisas, desprezando a ordem brutal do mundo para valorizar meias verdades sobre a conformação e harmonia do cosmos, vem a Vida dá-nos uma boa rasteira. Resta-nos, do chão, observar a vida por outro ângulo, o ângulo dos que estão por baixo.
Hoje me vejo sob essa perspectiva, a do caído. Rasteira da Vida tomada, olho ao meu redor e procuro pelos companheiros, com quem aprendi o amor pela ciência e pela filosofia. Procuro, mas estou cercada pela ignorância ingênua, cheia de boa vontade, mas, mesmo assim, é ignorância. Todos os outros se foram com suas lanternas de Diógenes, em busca de respostas. Porque eu fiquei? Porque não escolhi seguir? Se me ressinto da ignorância é porque a conheço, ou será que apenas ainda consigo distinguir meus instintos? Se reconheço minha ação por instinto sou mais ignorante que filósofa, mas então, porque me ressinto?
Sou Cândido! Julgo conhecer a filosofia, senti-la, seguir um mestre, mas não reconheço a sua excelência ou deixei de crer em sua ciência, desde o momento em que me vi caminhando sozinha, longe dos meus iguais. Pergunto-me: caminhei, ou fiquei para traz? Estou à frente ou em sua retaguarda? Meu eu Cândido está perdido, tem girado o mundo das idéias em busca de uma felicidade e harmonia quiméricas que, à maneira das miragens de um deserto, desaparecem às vezes em que julgo estar quase as alcançando.
Eis as conseqüências de escolher ficar: caminhar entre a ignorância e a ânsia de saber. Aterrar-me com as reações instintivas dos que restaram comigo, cegos como eu, tateando os pedrouços da estrada, esperançosos de encontrar a luz. E como para dar-me forças na marcha, me vem à mente Sócrates, cercado de sofistas, cujos amigos eram ouvintes vacilantes, Jesus cercado de fariseus e outros asseclas, cujos amigos eram discípulos ignorantes e desprovidos de fé, Madre Teresa, cercada de Indus fanáticos, cujos amigos eram a gente simples e ignorante das favelas de Calcutá... Diante deles, quem sou eu pra reclamar de quem segue comigo?
Candido tinha como aliados uma velha, um escravo liberto e um mestre amargurado com suas próprias decepções; eu me pergunto: é necessário que nos aliemos a alguém? Não bastará fortaleza de espírito para sermos fiéis às nossas escolhas e conscientes de suas conseqüências?
Duro é olhar ao redor e se descobrir cercado de medo e de constatações de que pensamos saber milhões de coisas, mas esquecemos de cuidar do nosso pobre jardim enquanto ele morre de sede à espera do labor de nossas mãos.
quinta-feira, 8 de janeiro de 2009
Amoroso dilema
“Enquanto não atravessarmos a dor de nossa própria solidão,
continuaremos a nos buscar em outras metades. Para viver a dois, antes, é necessário ser um." (Fernando Pessoa)
Era a primeira vez que passava tanto tempo sem namorada. Também era a primeira vez que ficava assim por opção. Precisava descontrair e parar para pensar um pouco depois do último relacionamento, que além de destrutivo estava provocando uma verdadeira reviravolta no seu jeito de encarar o amor.
Pela milésima vez, se perguntou se não era mais feliz quando acreditava, sem vacilar, que dava pra encontrar alguém com quem podia passar o resto da vida. A questão é que suas convicções estavam abaladas. Desde o início da adolescência pensava q essa proposta de vida a dois duradoura se cultivava ao longo dos anos por um ato de vontade, uma vez definida uma pessoa como parceira. Mas nem tudo era assim tão lógico ou simples.
Os casais que observava e suas próprias experiências amorosas pareciam contradizer essas certezas. Com raras exceções, e ele não se incluía entre elas, ou os casais se traiam mutuamente, ou continuavam a viver como se estivessem eternamente procurando parceira(o), por mais que já tivessem alguém ali do lado. Mas, será que haviam escolhido realmente aquela pessoa? Será q um dia escolheriam? Perguntava-se também o que tanto buscavam? Quando dariam a caça por encerrada? Não estariam procurando mundo afora sem buscar em si mesmas?
Há algum tempo, ele mesmo havia dito a uma pessoa “vc é quem eu mais amo no mundo”, como se não pudesse viver de outra forma, como se sua felicidade dependesse exclusivamente de alguém ou algo que não ele mesmo. Depois dessa solidão auto-imposta, não conseguia mais comparar o amor que sentia pelas pessoas, não dava mais para hierarquizar e era mais feliz agora.
Mesmo com toda essa confusão, ainda sentia, estranhamente, q se tivesse de escolher uma só pessoa pra viver com ela pra sempre nessa vida, várias candidatas entre suas melhores amigas seriam ideais, em igual medida. E não é que tanto fazia, sentia genuíno afeto por algumas amigas mais próximas, um afeto que poderia ser facilmente aprofundado. No fundo, embora não quisesse admitir, ainda se inclinava a acreditar no poder da escolha e achava, pela primeira vez, que não estava interessado apenas no que podia receber das pessoas, mas também no que tinha a oferecer, não em termos de status ou coisas, mas fundamentalmente em termos de amor.
No entanto, se se decidisse por buscar um amor a dois pra toda a vida, se é q isso existia, com certeza teria problemas em encontrar alguém disposto a considerar como sério seu jeito incomum de encarar relacionamentos, seja vendo o amor como um ato de vontade e não-fortuito, seja como algo não inteiramente exclusivista.
É que, se por um lado, percebia pouquíssimas pessoas realmente dispostas a viver com um único outro ser ao longo da vida (elas estavam sempre em uma busca desenfreada por novidades vindas de fora e nunca delas mesmas); por outro lado, via ainda menos pessoas dispostas a vivenciar um amor que não restringisse a capacidade de amar da outra pessoa. No fim, quando acertava encontrar alguém interessado em experimentar o amor, normalmente ela entendia isso como “ame a mim somente, como jamais amou ou amará ninguém”.
O problema é que ele achava que cada pessoa que amava, amava de forma singular, incomparável. Também não acreditava mais em amar só uma pessoa por vez. Não se tratava do clássico conceito de poligamia que as mulheres geralmente imputam aos homens. Não era isso o que propunha, porque entendia a fidelidade do corpo como fronteira mínima do respeito ao outro nesse arriscado experimentalismo.
Mas não via uma razão plausível para evitar estender o seu afeto às pessoas em volta. Na sua cabeça, amar dentro de uma redoma seria só um egoísmo ampliado, do tipo “onde cabia só um, agora cabem dois e basta!”. Mas, então, porque não caber mais gente? Por que não cabe aquela amiga, uma alma-irmã, q liga no meio da madrugada pedindo pra ajudá-la a sair de uma crise depressiva? Por que não cabe o amigo com quem se fez planos de cruzar a América Latina com uma mochila nas costas, mesmo q isso leve vários meses? Por que não cabe a amiga estrangeira por quem enfrentaria sete graus negativos e gastaria até o último vintém para ajudá-la, se ela precisasse?
Suportaria, por sua vez, que a parceira amasse tão livremente tantas pessoas quantas queria ser livre pra amar?
Ele achava que jamais encontraria alguém disposto a repensar um assunto que mexe tanto com o ego, ciúmes e posse. Por outro lado, estava um tanto deslumbrado com a conquista de permanecer tanto tempo só, sem achar isso necessariamente ruim.
Acontece que, por um estranho paradoxo, se mantinha ocupado de um problema que não sabia solucionar: como superar a solidão que queimava o peito no final da noite? E se o amor exclusivista fosse mesmo um dos únicos caminhos pra se chegar ao âmago de outro alguém? É que, entendia ele, se não fosse assim, a outra pessoa dificilmente abriria as portas para alguém chegar lá bem fundo no coração, por mais que ele próprio estivesse disposto a abrir o seu. Reconhecia a sensatez de Erich Fromm, quando dizia que “o desejo de fusão interpessoal é o mais poderoso anseio do homem”, e também quando ele falava da necessidade de reciprocidade, “o amor erótico, se é amor, tem uma premissa: que eu ame da essência de meu ser e experimente a outra pessoa na essência do seu ser.”
E sua cabeça era só dúvida: “será possível viver esse tipo de mergulho sem nos limitarmos a uma só pessoa? Ou, nos ligando a um só, será possível experimentar a outra pessoa na essência do seu ser sem o claustro da posse exclusiva do amor de parte a parte?”
(postado por: Griffin)
continuaremos a nos buscar em outras metades. Para viver a dois, antes, é necessário ser um." (Fernando Pessoa)
Era a primeira vez que passava tanto tempo sem namorada. Também era a primeira vez que ficava assim por opção. Precisava descontrair e parar para pensar um pouco depois do último relacionamento, que além de destrutivo estava provocando uma verdadeira reviravolta no seu jeito de encarar o amor.
Pela milésima vez, se perguntou se não era mais feliz quando acreditava, sem vacilar, que dava pra encontrar alguém com quem podia passar o resto da vida. A questão é que suas convicções estavam abaladas. Desde o início da adolescência pensava q essa proposta de vida a dois duradoura se cultivava ao longo dos anos por um ato de vontade, uma vez definida uma pessoa como parceira. Mas nem tudo era assim tão lógico ou simples.
Os casais que observava e suas próprias experiências amorosas pareciam contradizer essas certezas. Com raras exceções, e ele não se incluía entre elas, ou os casais se traiam mutuamente, ou continuavam a viver como se estivessem eternamente procurando parceira(o), por mais que já tivessem alguém ali do lado. Mas, será que haviam escolhido realmente aquela pessoa? Será q um dia escolheriam? Perguntava-se também o que tanto buscavam? Quando dariam a caça por encerrada? Não estariam procurando mundo afora sem buscar em si mesmas?
Há algum tempo, ele mesmo havia dito a uma pessoa “vc é quem eu mais amo no mundo”, como se não pudesse viver de outra forma, como se sua felicidade dependesse exclusivamente de alguém ou algo que não ele mesmo. Depois dessa solidão auto-imposta, não conseguia mais comparar o amor que sentia pelas pessoas, não dava mais para hierarquizar e era mais feliz agora.
Mesmo com toda essa confusão, ainda sentia, estranhamente, q se tivesse de escolher uma só pessoa pra viver com ela pra sempre nessa vida, várias candidatas entre suas melhores amigas seriam ideais, em igual medida. E não é que tanto fazia, sentia genuíno afeto por algumas amigas mais próximas, um afeto que poderia ser facilmente aprofundado. No fundo, embora não quisesse admitir, ainda se inclinava a acreditar no poder da escolha e achava, pela primeira vez, que não estava interessado apenas no que podia receber das pessoas, mas também no que tinha a oferecer, não em termos de status ou coisas, mas fundamentalmente em termos de amor.
No entanto, se se decidisse por buscar um amor a dois pra toda a vida, se é q isso existia, com certeza teria problemas em encontrar alguém disposto a considerar como sério seu jeito incomum de encarar relacionamentos, seja vendo o amor como um ato de vontade e não-fortuito, seja como algo não inteiramente exclusivista.
É que, se por um lado, percebia pouquíssimas pessoas realmente dispostas a viver com um único outro ser ao longo da vida (elas estavam sempre em uma busca desenfreada por novidades vindas de fora e nunca delas mesmas); por outro lado, via ainda menos pessoas dispostas a vivenciar um amor que não restringisse a capacidade de amar da outra pessoa. No fim, quando acertava encontrar alguém interessado em experimentar o amor, normalmente ela entendia isso como “ame a mim somente, como jamais amou ou amará ninguém”.
O problema é que ele achava que cada pessoa que amava, amava de forma singular, incomparável. Também não acreditava mais em amar só uma pessoa por vez. Não se tratava do clássico conceito de poligamia que as mulheres geralmente imputam aos homens. Não era isso o que propunha, porque entendia a fidelidade do corpo como fronteira mínima do respeito ao outro nesse arriscado experimentalismo.
Mas não via uma razão plausível para evitar estender o seu afeto às pessoas em volta. Na sua cabeça, amar dentro de uma redoma seria só um egoísmo ampliado, do tipo “onde cabia só um, agora cabem dois e basta!”. Mas, então, porque não caber mais gente? Por que não cabe aquela amiga, uma alma-irmã, q liga no meio da madrugada pedindo pra ajudá-la a sair de uma crise depressiva? Por que não cabe o amigo com quem se fez planos de cruzar a América Latina com uma mochila nas costas, mesmo q isso leve vários meses? Por que não cabe a amiga estrangeira por quem enfrentaria sete graus negativos e gastaria até o último vintém para ajudá-la, se ela precisasse?
Suportaria, por sua vez, que a parceira amasse tão livremente tantas pessoas quantas queria ser livre pra amar?
Ele achava que jamais encontraria alguém disposto a repensar um assunto que mexe tanto com o ego, ciúmes e posse. Por outro lado, estava um tanto deslumbrado com a conquista de permanecer tanto tempo só, sem achar isso necessariamente ruim.
Acontece que, por um estranho paradoxo, se mantinha ocupado de um problema que não sabia solucionar: como superar a solidão que queimava o peito no final da noite? E se o amor exclusivista fosse mesmo um dos únicos caminhos pra se chegar ao âmago de outro alguém? É que, entendia ele, se não fosse assim, a outra pessoa dificilmente abriria as portas para alguém chegar lá bem fundo no coração, por mais que ele próprio estivesse disposto a abrir o seu. Reconhecia a sensatez de Erich Fromm, quando dizia que “o desejo de fusão interpessoal é o mais poderoso anseio do homem”, e também quando ele falava da necessidade de reciprocidade, “o amor erótico, se é amor, tem uma premissa: que eu ame da essência de meu ser e experimente a outra pessoa na essência do seu ser.”
E sua cabeça era só dúvida: “será possível viver esse tipo de mergulho sem nos limitarmos a uma só pessoa? Ou, nos ligando a um só, será possível experimentar a outra pessoa na essência do seu ser sem o claustro da posse exclusiva do amor de parte a parte?”
(postado por: Griffin)
terça-feira, 6 de janeiro de 2009
Mais do amor...
O texto abaixo é de JÔ e é fruto de inúmeros diálogos com amigos queridos acerca do aprendizado da autonomia, do descobrir-se onde termina o amor próprio e começa o egoísmo, da questão do utilitarismo presente nas relações duradouras.... Enfim, mazelas e virtudes do casamento, partindo-se da premissa de que o amor está acima de tais questionamentos.
Você também pode participar! Comente, traga seu texto, acrescente!!!!
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Por amor a Sócrates
Dentre as personagens que rondam o imaginário humano acerca do grande filósofo Sócrates uma há que é comicamente tratada ao longo dos séculos: Xantipa. Diz-se que foi uma das esposas do filósofo, célebre pelo mau humor e antipatia, de caráter irascível e escandaloso, entrou para a história como uma megera que estava sempre a censurar o marido e tratá-lo pessimamente, sobretudo em público; Conta-se que lhe rasgava a túnica na via pública ou lhe jogava água às vestes, a fim de forçá-lo a tirá-las...
Francamente, se alguém sabe de algo realmente simpático acerca de Xantipa, por favor, traga a público, pois estou farta de ler acerca das péssimas atitudes dessa mulher! Xantipa era uma esposa; agora eu lhes pergunto: o que esperar de uma esposa? O que espera um homem de sua esposa ao se casar? Pois é certo que Sócrates conhecia os deveres que se esperava que uma esposa cumprisse.
De uma esposa à época de Sócrates, um marido exigia que se dedicasse a casa e à geração dos filhos, que estivesse satisfeita com o que o marido desejasse fazer da vida, que não se importasse com o fato de que o marido vivesse na Agora discutindo política, filosofia, arte, etc. Hoje se espera muito mais de uma mulher! Que seja boa mãe, boa cozinheira, profissional bem sucedida, linda e magra, uma fera nos negócios e uma criatura indomável e insaciável na cama, não necessariamente nessa ordem.
E Xantipa, alguém por acaso parou para imaginar o que esperava ela de seu marido, Sócrates? Se você é casada, sabe o que ela esperava... Sócrates provavelmente não era um bom marido, na opinião de Xantipa. Mal cheiroso, descalço e quase sempre vestido em uma túnica imunda, imagine um marido assim... Sócrates se vangloriava da sua condição de não apegado aos luxos e confortos, tinha uma vida frugal, evitava comer e beber quando não tinha fome ou sede.
Francamente, se alguém sabe de algo realmente simpático acerca de Xantipa, por favor, traga a público, pois estou farta de ler acerca das péssimas atitudes dessa mulher! Xantipa era uma esposa; agora eu lhes pergunto: o que esperar de uma esposa? O que espera um homem de sua esposa ao se casar? Pois é certo que Sócrates conhecia os deveres que se esperava que uma esposa cumprisse.
De uma esposa à época de Sócrates, um marido exigia que se dedicasse a casa e à geração dos filhos, que estivesse satisfeita com o que o marido desejasse fazer da vida, que não se importasse com o fato de que o marido vivesse na Agora discutindo política, filosofia, arte, etc. Hoje se espera muito mais de uma mulher! Que seja boa mãe, boa cozinheira, profissional bem sucedida, linda e magra, uma fera nos negócios e uma criatura indomável e insaciável na cama, não necessariamente nessa ordem.
E Xantipa, alguém por acaso parou para imaginar o que esperava ela de seu marido, Sócrates? Se você é casada, sabe o que ela esperava... Sócrates provavelmente não era um bom marido, na opinião de Xantipa. Mal cheiroso, descalço e quase sempre vestido em uma túnica imunda, imagine um marido assim... Sócrates se vangloriava da sua condição de não apegado aos luxos e confortos, tinha uma vida frugal, evitava comer e beber quando não tinha fome ou sede.
Se você está defendendo o desapego de Sócrates, seu desamor pelos bens materiais, sua superioridade moral que o permitia suportar uma esposa assim, me desculpe, você é um grande sofista! E só pensa assim porque não era você quem dormia ao lado de Sócrates, era Xantipa! Ademais, Sócrates admitia de bom grado um bom banho, roupas limpas e perfume, desde a ocasião valesse o esforço de encontrar cidadãos belos e limpos para um grande jantar, como ocorre na obra O Banquete, guardadas as devidas proporções, já que o texto é atribuído a Platão, mas creio que em algum momento ele tomava um banho de bom grado.
Mais que ser mulher de Sócrates, Xantipa foi submetida à vida austera e pobre do marido, à qual provavelmente não compreendia; se ele se alimentava frugalmente e não trabalhava, certamente sua família se alimenta mal, não tinham conforto e viviam de forma modesta, para não dizer miserável...
Mais que ser mulher de Sócrates, Xantipa foi submetida à vida austera e pobre do marido, à qual provavelmente não compreendia; se ele se alimentava frugalmente e não trabalhava, certamente sua família se alimenta mal, não tinham conforto e viviam de forma modesta, para não dizer miserável...
Não consigo deixar de imaginar... Tanto tempo dedicado à educação de jovens, tantos diálogos com nobres mentes do mundo grego... Que tempo Sócrates dedicava a Xantipa? É certo que Sócrates a amava; deixou claro isso várias vezes, há relatos acerca da tolerância e paciência com que suportava os achaques de sua mulher...
Infelizmente, não conheço relatos acerca da paciência de Xantipa para com Sócrates. Para mim, porém, ela está implícita nos muitos anos que viveram juntos. Acredito que Xantipa pudesse compreender melhor o marido se este a tivesse considerado mais que a genitora de sua prole, mais que a mulher geniosa, a quem ele apreciava domar com um potro selvagem, utilizando-se da ira dela para exercitar o próprio espírito.
Xantipa, ao que parece, não era apreciadora da vasta sabedoria de Sócrates, o que não quer dizer que não se importasse com ele. Posso imaginar a dor moral desta mulher, ao ver seu marido se tornar objeto de chacota entre os que o atacavam e que certamente não eram poucos. Daí se compreender porque Xantipa se via na obrigação de obrigar-lhe ao banho, à troca das vestes. Imagino também porque entrou para a história como uma megera. Foi descrita por homens, contemporâneos de Sócrates, que a viam como a intransigente criatura que lhe interrompia os discursos e o arrastava ao lar, obrigava-o à higiene, mostrava-lhe que havia um mundo fora das idéias.
Infelizmente, não conheço relatos acerca da paciência de Xantipa para com Sócrates. Para mim, porém, ela está implícita nos muitos anos que viveram juntos. Acredito que Xantipa pudesse compreender melhor o marido se este a tivesse considerado mais que a genitora de sua prole, mais que a mulher geniosa, a quem ele apreciava domar com um potro selvagem, utilizando-se da ira dela para exercitar o próprio espírito.
Xantipa, ao que parece, não era apreciadora da vasta sabedoria de Sócrates, o que não quer dizer que não se importasse com ele. Posso imaginar a dor moral desta mulher, ao ver seu marido se tornar objeto de chacota entre os que o atacavam e que certamente não eram poucos. Daí se compreender porque Xantipa se via na obrigação de obrigar-lhe ao banho, à troca das vestes. Imagino também porque entrou para a história como uma megera. Foi descrita por homens, contemporâneos de Sócrates, que a viam como a intransigente criatura que lhe interrompia os discursos e o arrastava ao lar, obrigava-o à higiene, mostrava-lhe que havia um mundo fora das idéias.
Quando Sócrates foi condenado à morte tomando cicuta, Xantipa foi a primeira pessoa a ser retirada do local onde ocorreria sua morte. Devido a um ataque histérico, foi socorrida e levada para longe do marido, que morreu placidamente ao lado de seus admiradores e amigos próximos. Ora, se Xantipa era tão irascível, porque então se desesperou com a morte de Sócrates?
Talvez porque só compreendesse o casamento como uma troca de favores, um sentimento prático e utilitarista a afastava dos ideais do marido. Teria ela, provavelmente, preferido ser casada com um homem comum, distante dos discursos e da histórica fama, desde que este homem lhe tivesse proporcionado uma vida menos cheia de privações materiais.
E afinal, não terá sido o amor de Sócrates utilitarista também? Não teria ele aproveitado tudo o que podia de sua relação com Xantipa, deixando-a entregue às suas preocupações materiais e vivendo acima das dores de que ela se queixava?
A maioria dos casamentos que conheço é assim. Uma troca constante de favores, em que os indivíduos sugam do outro aquilo que desejam, enquanto desejam, sem se importar em conhecer melhor o parceiro ou parceira. E quando ao longo dos anos de convivência finalmente se conhecem, bem poucos estão dispostos a aceitar o outro como é, sem tentar moldá-lo e transformá-lo ao seu bel prazer.
Talvez porque só compreendesse o casamento como uma troca de favores, um sentimento prático e utilitarista a afastava dos ideais do marido. Teria ela, provavelmente, preferido ser casada com um homem comum, distante dos discursos e da histórica fama, desde que este homem lhe tivesse proporcionado uma vida menos cheia de privações materiais.
E afinal, não terá sido o amor de Sócrates utilitarista também? Não teria ele aproveitado tudo o que podia de sua relação com Xantipa, deixando-a entregue às suas preocupações materiais e vivendo acima das dores de que ela se queixava?
A maioria dos casamentos que conheço é assim. Uma troca constante de favores, em que os indivíduos sugam do outro aquilo que desejam, enquanto desejam, sem se importar em conhecer melhor o parceiro ou parceira. E quando ao longo dos anos de convivência finalmente se conhecem, bem poucos estão dispostos a aceitar o outro como é, sem tentar moldá-lo e transformá-lo ao seu bel prazer.
Será que apenas Sócrates amou e aceitou Xantipa? O senso prático dela terá sido a ligação entre o amor ideal e o amor paixão, que alimentou por Sócrates, apesar de haver sofrido com o temperamento do marido?
Não importa se Xantipa entendeu ou não Sócrates. Importa compreender que o amor que dedicamos a outrem deve se basear na doação e na compreensão, que passa necessariamente pelo amor de si e pela capacidade de aceitar o outro como ele é. Não se pode amar a outrem mais que a si mesmo, confundindo a sublimidade da doação com a escravidão aos desejos e paixões de outrem, mesmo quando se é correspondido, sob pena de alimentar um vício perigoso: o egoísmo. Quem não ama a si mesmo é incapaz de amar alguém.
E como é difícil escolher de que lado ficar! É tão fácil julgar as aparências, o que parece ser bom, o que parecer ser mau... Sinto minha consciência digladiar-se entre estes dois pontos: amar verdadeiramente o melhor possível a uma pessoa ou amar o melhor possível a humanidade inteira? Seguir o exemplo de Sócrates ou assumir minha porção Xantipa?
E como é difícil escolher de que lado ficar! É tão fácil julgar as aparências, o que parece ser bom, o que parecer ser mau... Sinto minha consciência digladiar-se entre estes dois pontos: amar verdadeiramente o melhor possível a uma pessoa ou amar o melhor possível a humanidade inteira? Seguir o exemplo de Sócrates ou assumir minha porção Xantipa?
Ah, como desejamos que o mundo seja inteiramente dividido entre o bem e mau, o preto e o branco, o certo e o errado... Mas não! Não existe ninguém tão bom que não abrigue em seu peito o mau, nem tal mau que não abrigue em sua alma algum fragmento do bem. E as cores... Bem, no mundo, encontramos todas as cores do arco-íris, apesar de nossa limitada visão.
sábado, 3 de janeiro de 2009
Ainda sobre o amor...
O texto q segue é da Nil ainda resultando da leitura de O Banquete... Comente, recomende, a gente agradece! ;-)
sexta-feira, 2 de janeiro de 2009
Quando amar não dói
Conta-se que ele era só um adolescente quando seu pai morreu, deixando a família sem nenhuma fonte de renda. Teve de trabalhar para ajudar no sustento da mãe, da irmã e da avó. O sonho de ser escritor acabou adiado, em razão da urgência de entrar para a faculdade de medicina, que levava paralelamente à prática do jornalismo e das aulas particulares que ministrava.
Por afinidade com a educação, passou a freqüentar também o curso de pedagogia, tendo depois concluído os estudos de medicina e graduado-se em pediatria. Anos mais tarde, seu talento no trato com as crianças e seus conhecimentos como pedagogo lhe renderam a diretoria de um orfanato. Foi aí que se mostrou em todo esplendor o amor de Janusz Korczak pelas crianças. Um amor que o levou a ficar conhecido não só como médico ou escritor, mas como um dos grandes educadores do Séc. XX. Porém, não só isso. Esse polonês de origem judaica levou ao extremo seu amor pedagógico, ao morrer junto com os órfãos no campo de concentração nazista de Treblinka, após a invasão da Polônia pelo exército alemão, na Segunda Guerra Mundial.
Mas o que poderia ter levado um intelectual, um prático da educação como Korczak a esse ponto, já que anos antes teve a chance de sair do país? Isso equivale a perguntar de que matéria é feita a alma dos mártires. Uma pista está em uma das obras escritas por ele. Mais precisamente no livro “Como Amar uma Criança”, onde Korczak nos deixa o seguinte pensamento: “eu existo não para que me amem e admirem, mas para que eu mesmo aja e ame. Todos os que me cercam não têm o dever de me ajudar, porém meu dever é cuidar dos que me cercam, cuidar do ser humano”.
De tempos em tempos a humanidade toma conhecimento da existência de pessoas aparentemente comuns que depois revelam um especial talento para abranger no seu amor mais que uma só pessoa, mais que os seus, falando de família sanguínea e dos amigos mais próximos. Um exemplo de amor tão amplo e extremado como o de Korczak nos parece irreal, diante da forma de amor de que comumente somos capazes. Geralmente, ligamos nosso amor a um objeto, a um ser amado ou a alguns seres que escolhemos para amar. Assim, é comum sofrermos horrores quando somos deixados, traídos, frustrados nesse amor que demos e que, acreditamos, nos dá o direito de receber em troca.
Isso nos leva a questionar se sabemos realmente amar. Se nos ocuparmos mais amplamente desse problema, veremos que não somos os únicos. Grandes mestres da humanidade já se debruçaram sobre isso para tentar descobrir porque o amor é ao mesmo tempo fonte de grandes prazeres e de grandes dores para o homem.
Vemos, por exemplo, em O Banquete, de Platão, que Diotima ao dar a Sócrates uma lição sobre o amor, ensina que o amor é o desejo de possuir para sempre o que é bom e o que é belo, é o desejo da imortalidade. Já no Séc. XX, o psicanalista alemão Erich Fromm chega à mesma conclusão de Platão, aplicando uma leitura correlata ao amor. Para ele, essa busca da imortalidade se traduz melhor como a busca por uma integração universal com tudo que existe, com a natureza e tudo que nos cerca.
Um dos mais brilhantes teóricos da Psicanálise, esse que também foi um revisor de Freud, diz que a consciência de si mesmo, a razão, promove no homem também a consciência de sua solidão, de sua separação e descontrole diante das forças da natureza. Segundo ele, todos nós buscamos superar essa separação, esse estado de “insuportável solidão”. Mas de que jeito superar essa angústia?
Fromm diz que há muito tempo os caminhos tentados pela humanidade são basicamente os mesmos: a religiosidade, a excitação de estágios orgíacos, a conformação a uma rotina e ordem social pré-estabelecida, as artes e atividades criadoras em geral. Porém, a resposta mais completa para romper esse ciclo de solidão e separação seria, para Erich Fromm, o amor: “o desejo de fusão interpessoal é o mais poderoso anseio do homem”, afirma.
Mas existem, segundo ele, as formas de amor imaturas: união simbiótica (com anulação de uma identidade própria); masoquismo (consiste em se deixar subjugar pelo outro); e sadismo (consiste em subjugar o outro). Esse amor imaturo redundaria nos sofrimentos e frustração ilustrados acima. Já o amor maduro, seria uma “união sob a condição de preservar a integridade própria”, teoriza o psicanalista e, portanto, com mais chances de nos levar ao lado apenas prazeroso do amor, já que está mais centralizado em nós mesmos e não na dependência do objeto do nosso amor.
Para explicar isso melhor, Fromm toma emprestado de Spinoza, um racionalista holandês do século XVII, a diferença entre afetos ativos e passivos. Ele diz que o caráter ativo do amor consiste, antes de tudo em dar: “dar é mais alegre do que receber, não por ser uma privação, mas porque no ato de dar encontra-se a expressão da minha vitalidade”, disse Spinoza. Assim, o ato de dar amor seria, em si mesmo, um ato de requintada alegria, desde que não veja o outro como meio para se obter algo de volta, e sim como um fim em si.
Porém, esse ato de dar, tal como Fromm o descreve, só poderia ser atingido por quem desenvolveu o próprio caráter a ponto de superar aspectos de si mesmo, como dependência, onipotência narcisista, desejo de explorar o outro ou de amealhar. Depende de ter fé em seus poderes humanos, diz ele...Fromm continua, afirmando que, na medida em que faltarem essas qualidades, a pessoa será temerosa em dar e também em amar de forma madura.
Para chegarmos a esse nível de vivência do amor, Diotima, em suas lições para Sócrates, traça uma interessante rota. Diz ela que, após ter partido da admiração da beleza de um só corpo, devemos ver essa beleza em todos os corpos. Depois, considerar como mais preciosa a beleza da alma que dos corpos. Então, o próximo estágio do desenvolvimento do amor será verificar a beleza que há nas belas atividades e práticas, no bem comum e no conhecimento.
Nesse ponto, o aprendiz do amor não irá se amesquinhar na percepção da beleza de um só, não mais será escravo da necessidade de receber e sim produzirá beleza e amor em profusão, ensina Diotima. Terá também conquistado o afeto ativo de Spinoza, o amor maduro de Fromm, como parece ter sido o caso de Korczak, que não esperou reconhecimento pelos seus atos, mas sentia uma profunda alegria em simplesmente compartilhar com o mundo suas descobertas sobre o amor, através de palavras e atos.
Por afinidade com a educação, passou a freqüentar também o curso de pedagogia, tendo depois concluído os estudos de medicina e graduado-se em pediatria. Anos mais tarde, seu talento no trato com as crianças e seus conhecimentos como pedagogo lhe renderam a diretoria de um orfanato. Foi aí que se mostrou em todo esplendor o amor de Janusz Korczak pelas crianças. Um amor que o levou a ficar conhecido não só como médico ou escritor, mas como um dos grandes educadores do Séc. XX. Porém, não só isso. Esse polonês de origem judaica levou ao extremo seu amor pedagógico, ao morrer junto com os órfãos no campo de concentração nazista de Treblinka, após a invasão da Polônia pelo exército alemão, na Segunda Guerra Mundial.
Mas o que poderia ter levado um intelectual, um prático da educação como Korczak a esse ponto, já que anos antes teve a chance de sair do país? Isso equivale a perguntar de que matéria é feita a alma dos mártires. Uma pista está em uma das obras escritas por ele. Mais precisamente no livro “Como Amar uma Criança”, onde Korczak nos deixa o seguinte pensamento: “eu existo não para que me amem e admirem, mas para que eu mesmo aja e ame. Todos os que me cercam não têm o dever de me ajudar, porém meu dever é cuidar dos que me cercam, cuidar do ser humano”.
De tempos em tempos a humanidade toma conhecimento da existência de pessoas aparentemente comuns que depois revelam um especial talento para abranger no seu amor mais que uma só pessoa, mais que os seus, falando de família sanguínea e dos amigos mais próximos. Um exemplo de amor tão amplo e extremado como o de Korczak nos parece irreal, diante da forma de amor de que comumente somos capazes. Geralmente, ligamos nosso amor a um objeto, a um ser amado ou a alguns seres que escolhemos para amar. Assim, é comum sofrermos horrores quando somos deixados, traídos, frustrados nesse amor que demos e que, acreditamos, nos dá o direito de receber em troca.
Isso nos leva a questionar se sabemos realmente amar. Se nos ocuparmos mais amplamente desse problema, veremos que não somos os únicos. Grandes mestres da humanidade já se debruçaram sobre isso para tentar descobrir porque o amor é ao mesmo tempo fonte de grandes prazeres e de grandes dores para o homem.
Vemos, por exemplo, em O Banquete, de Platão, que Diotima ao dar a Sócrates uma lição sobre o amor, ensina que o amor é o desejo de possuir para sempre o que é bom e o que é belo, é o desejo da imortalidade. Já no Séc. XX, o psicanalista alemão Erich Fromm chega à mesma conclusão de Platão, aplicando uma leitura correlata ao amor. Para ele, essa busca da imortalidade se traduz melhor como a busca por uma integração universal com tudo que existe, com a natureza e tudo que nos cerca.
Um dos mais brilhantes teóricos da Psicanálise, esse que também foi um revisor de Freud, diz que a consciência de si mesmo, a razão, promove no homem também a consciência de sua solidão, de sua separação e descontrole diante das forças da natureza. Segundo ele, todos nós buscamos superar essa separação, esse estado de “insuportável solidão”. Mas de que jeito superar essa angústia?
Fromm diz que há muito tempo os caminhos tentados pela humanidade são basicamente os mesmos: a religiosidade, a excitação de estágios orgíacos, a conformação a uma rotina e ordem social pré-estabelecida, as artes e atividades criadoras em geral. Porém, a resposta mais completa para romper esse ciclo de solidão e separação seria, para Erich Fromm, o amor: “o desejo de fusão interpessoal é o mais poderoso anseio do homem”, afirma.
Mas existem, segundo ele, as formas de amor imaturas: união simbiótica (com anulação de uma identidade própria); masoquismo (consiste em se deixar subjugar pelo outro); e sadismo (consiste em subjugar o outro). Esse amor imaturo redundaria nos sofrimentos e frustração ilustrados acima. Já o amor maduro, seria uma “união sob a condição de preservar a integridade própria”, teoriza o psicanalista e, portanto, com mais chances de nos levar ao lado apenas prazeroso do amor, já que está mais centralizado em nós mesmos e não na dependência do objeto do nosso amor.
Para explicar isso melhor, Fromm toma emprestado de Spinoza, um racionalista holandês do século XVII, a diferença entre afetos ativos e passivos. Ele diz que o caráter ativo do amor consiste, antes de tudo em dar: “dar é mais alegre do que receber, não por ser uma privação, mas porque no ato de dar encontra-se a expressão da minha vitalidade”, disse Spinoza. Assim, o ato de dar amor seria, em si mesmo, um ato de requintada alegria, desde que não veja o outro como meio para se obter algo de volta, e sim como um fim em si.
Porém, esse ato de dar, tal como Fromm o descreve, só poderia ser atingido por quem desenvolveu o próprio caráter a ponto de superar aspectos de si mesmo, como dependência, onipotência narcisista, desejo de explorar o outro ou de amealhar. Depende de ter fé em seus poderes humanos, diz ele...Fromm continua, afirmando que, na medida em que faltarem essas qualidades, a pessoa será temerosa em dar e também em amar de forma madura.
Para chegarmos a esse nível de vivência do amor, Diotima, em suas lições para Sócrates, traça uma interessante rota. Diz ela que, após ter partido da admiração da beleza de um só corpo, devemos ver essa beleza em todos os corpos. Depois, considerar como mais preciosa a beleza da alma que dos corpos. Então, o próximo estágio do desenvolvimento do amor será verificar a beleza que há nas belas atividades e práticas, no bem comum e no conhecimento.
Nesse ponto, o aprendiz do amor não irá se amesquinhar na percepção da beleza de um só, não mais será escravo da necessidade de receber e sim produzirá beleza e amor em profusão, ensina Diotima. Terá também conquistado o afeto ativo de Spinoza, o amor maduro de Fromm, como parece ter sido o caso de Korczak, que não esperou reconhecimento pelos seus atos, mas sentia uma profunda alegria em simplesmente compartilhar com o mundo suas descobertas sobre o amor, através de palavras e atos.
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