domingo, 15 de fevereiro de 2009

Ainda Voltaire....

Finalmente, um texto de Lau, com sua doce dureza, explorando as almas dos seus amigos sem alarde, descobrindo seus maiores medos e vícios, mostrando-os sem causar mágoa nenhuma. Um convite à compreensão maior de si mesmo e dos outros.

Nos acompanhe nessa viagem ao mundo do iluminista.

Voltaire e o Filósofo Ignorante.

“...e é preciso que eu esmole o meu pão antes que possa ganhá-lo; nada disso poderia ser de outro modo.”

Em que momento do Universo Deus decidiu nossas vidas, sem sequer nos consultar? Foi assim então? Como em uma tacada de mestre lançou-se à existência tudo que está posto, e nossas vidas são um reflexos sublime dos perfeitos planos de Deus. Um mundo tão perfeito quanto ele pode ser, com um mal certo para cada um de nós, na medida das nossas necessidades, em razão de um bem que se construirá pela Providência.

Compreender o mundo e o arranjo do Universo é o maior desafio científico-filosófico da humanidade. Sempre existiram mentes dispostas a abandonar seus corpos e adentrarem numa vida de sacrifícios rumo ao desconhecido “tempo e espaço”. Tão belos sentimentos humanos, no entanto, são exigentes. A filosofia requer tempo, e o tempo é cada vez mais curto desde que a Revolução Industrial chegou ao mundo e o caminho mais curto tornou-se “o produto que vende mais”.

Entender “a mente” por trás do Todo e apaziguar o fogo da curiosidade com as respostas certas que permitem o sono tranqüilo, a família perfeita, a casa em ordem e o domingo na poltrona da sala. É esse o jeito mais fácil de vender a vida, é essa a idéia por trás do véu sutil, a conclusão que levou muitos de nós a acreditar que “paz de espírito” se encontra ao desligar o celular e ter uma semana de férias no litoral; ou mesmo em ir mais um domingo a missa e esperar, com o terço na mão, pelo emprego do marido, que não para de beber pelo alcoolismo.

A grande tentação que bate a porta de todos os homens em algum momento de suas vidas é trazida pelo pensamento de que ele encontrou todas as respostas e transformou-se em um sábio e amoroso homem por ter aprendido a suportar e compreender que as diferenças entre sua vida e a do mendigo na rua estão nas equações desconhecidas que sustentam as super-cordas que entrelaçam o Universo. Ciência suficiente para ocupar todo o tempo que o homem comum dedica e estar consigo mesmo.

Que tipo de criaturas somos nós, que precisamos tanto duvidar e não suportamos viver duvidando? Voltaire toca a alma do homem comum e devolve o “sábio filósofo” a seu verdadeiro lugar, a ignorância. O Cândido é um chamado ao trabalho pelo bem, que não pode ser encontrado naturalmente, apenas com o tempo a passar por sobre o mundo, e o homem a esperar um fruto amadurecer, vindo o seu azedo a transformar-se em doce.

Qual de nós ainda não foi um “sábio filósofo”? Quem não quis comprar as respostas em um único livro ou em uma religião? Quem não desejou ter o coração tranqüilo e conformado na tragédia sua ou do próximo? A certeza de que o bem precisa ser cultivado e cuidado é o grande desafio oferecido pela leitura da obra e pela realidade do mundo. É preciso fugir das certezas e deixar a sabedoria de Pangloss, adentrar no mundo desconhecido e provar a fé vivendo o resto dos dias na dúvida.

sábado, 7 de fevereiro de 2009

UMA TEMPESTADE HÁ 2MIL ANOS

Volte dois mil anos atrás e imagine:
Você mora desde a infância em sua pequena aldeia de pescadores e a cada sol precisa cuidar do que viver e do que vestir com suor do rosto nas redes de pesca sobre o Mar da Galileia. Os dias são de fato bem previsíveis e a aldeia não é das mais prosperas, pois há miséria e doença há poucos metros de sua modesta casa. A pesca não lhe trouxe muito lucro, mas ainda consegue prover um mínimo para que sua família desconheça dessa miséria. Mas hoje você não vai ao mar, porque conhece o céu e os ventos o suficiente para prever a grande tempestade que se aproxima. Então você decidiu ficar em casa e consertar umas das redes mais velhas, um trabalho que consumiu toda a manhã e agora avançava para a tarde... foi quando as primeiras gotas da chuva começaram a marcar a areia e uma blasfêmia se formou em sua boca, ao cortar o dedo no manejo com a rede. De súbito, você ouve o rebuliço de uma multidão que se aproxima em risos e canto – a coisa mais estranha para uma aldeia que há muito não tinha o que celebrar. Contudo a sua indignação e mesmo o modo como enfaticamente iria praguejar do seu pequeno corte, cederam rapidamente diante de uma inusitada sensação de paz e jubilo.. Em sua surpresa, mesmo o corte que ainda há pouco lhe sangrava o dedo parece ter cicatrizado. A multidão se aproxima e você reconhece o nome do rabi de que todos têm comentado: o homem que dá vida aos mortos e caminha sobre as águas na tempestade. Você reconhece outros pescadores que agora o seguem, mesmo coma família e pobreza, lá estão eles leves e prazenteiros caminhando ao lado do rabi. Uma série perguntas lhe faz abandonar a lida: “E por que não você? E por que não descobrir como se reanima os mortos e se acalma o mar? E por que não reter aquela paz pelo resto dos dias? Por que não cicatrizar os cortes mais profundos em seu coração?” Sim, você poderia. E você espera pacientemente com a multidão feita de sábios, pescadores, mendigos, nobres e prostitutas (que vc reconhecia também!), todos sobre a mesma chuva, do lado de fora da pequena cabana .. a cabana recentemente erguida com muito esforço por uma senhora, que trabalhava para calar a miséria que tantas vezes lhe doía os olhos.. a cabana em que o rabi curava e ensinava.. Você espera a chance de dizer ao Mestre o excelente discípulo que você poderia ser, porque ao contrario de muitos outros pescadores ignorantes e braçais, você consegue ler as escrituras de Ezequiel e escreve razoavelmente; seu pai sempre se orgulhava do tom que sua voz adquiria nessas leituras e até mesmo de sua pequena sabedoria ao se atrever a interpretá-las.. E quantas noites ao redor da fogueira já não testemunharam a filosofia intrincada de seus discursos aos amigos que não ousavam rebater seu raciocínio precioso e que gostavam de reunião feita de um bom peixe ? – você sabe o quanto é bom ser idolatrado! Ah!! Você era o homem certo para ser o predileto do rabi! Então chegou finalmente o momento em que você ensopado, mas com discurso decorado, se apresentaria ao Galileu. Foi bem desconcertante. Você não estava preparado para a força que havia nos olhos do rabi, o tipo de força que lhe envergonhou de suas miudices, diante da qual seria um absurdo a tentativa de qualquer mentira ou a violência. Já tinha visto reis e imperadores, mas jamais sonhara que tamanha realeza fosse sustentada por um simples olhar do homem que calçava sandálias mais humildes que as suas. E ainda assim você falou:
- Mestre, ouvi suas pregações e vi suas curas, não desconheço que o é eleito pelas escrituras e venho aqui humildemente oferecer meus serviços ao apostolado.
O nazareno o encarou com seu olhar límpido e falou com tranqüilidade:
- Pois bem, temos dois leprosos agonizando aos cuidados da senhora desta cabana, poderia ajuda-la na troca de curativos e prove-los de comida e atenção?
Leprosos!! – foi o que pensou – nesta cabana? E tão próximos de minha casa? Como essa mulher conseguiu conceber tamanha loucura? Deve estar possuída...
Antes de completar os pensamentos, o rabi lhe interpelou o raciocínio:
- E o que me diz de cuidar do ensino e do sustento dessas duas órfãs cegas que a mesma senhora acolheu com tanto sacrifício?
As duas meninas? Ah!! Você sabe que são filhas das prostitutas da aldeia vizinha, duas inuteis na vida, já nasceram cegas como castigo para libertinagem das mães e assim tem o que merecem– e você pensa nisso mesmo que algo lhe machuque o coração, pois poderia até jurar que uma das meninas tem olhos como os seus..
O Mestre com a mesma calma lhe interfere novamente os pensamentos com um terceiro convite:
- E o que acha de ceder algumas horas de teu dia para o conserto do teto desta cabana que serve de lar para teus irmãos em miséria?
Ajeitar o telhado daquela cabana?Com certeza o mestre é um brincalhão, pois ele bem sabe que meu tempo é curto, que meus esforços seriam melhor empregados no estudo filosófico para e divulgação de sua palavra ou mesmo traduzindo-a para a forma escrita a fim de pudesse ser o embaixador da boa nova junto aos reis e ao grandes mestres.
O mestre sorriu tristemente como quem lhe adivinhava o íntimo e disse:
- Uma vez fiz o seguinte convite para um mancebo rico e inteligente – Se queres apefeiçoar-te, vai vende tudo o que tens, tudo entregando aos pobres, e terás um tesouro nos céus... Feito isso vem e segue-me... mas ele se afastou muito triste. O que faz aquele mancebo tão diferente de ti?....
Agora pause a historia, volte ao século XXI. Você já não é mais o pescador, você é hoje o medico cheio de titulos, jornalista premiado, juiz renomado ou advogado famoso, tua aldeia não é mais feita de pedra e barro, mas de asfalto e concreto; você não tem mais que se preocupar com o remendo das redes, com a tempestade ou o sucesso da pesca, você tem impostos para pagar, um carro para comprar, um concurso a mais para conquistar, uma residência medica para disputar; você já não luta com os segredos da escritura, você desvenda os mistérios do universo com a ciência moderna, você se extasia com a filosofia antiga ou moderna... mas ao lado da cama repousa o Evangelho de tua infância e nele as palavras – Feito isso, vem e segue-me... E agora? Você consegue divisar a atual cabana da senhora em que Cristo trabalhava? O que você pensará se o rabino lhe repetir os mesmos convites de trabalho na cabana sobre a tempestade? Prove que tua filosofia te explicou sobre o que realmente importa ao Mestre?
Sempre penso nessa historia (inspirada nos textos do Irmão X)em todas as manhã diante do espelho e me pergunto se aquele dia que se inicia será finalmente diferente do que foi há 2mil anos sobre tempestade....

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quinta-feira, 5 de fevereiro de 2009

Penso. Logo, desisto...



Esse negócio de pensar demais, em algumas ocasiões pode atrapalhar. Quer um exemplo? Qualquer pessoa q digite sem olhar para as teclas do computador sabe que, se ficar olhando demais, vai digitar mais devagar do que normalmente digitaria sem olhar...

Tem uma explicação científica pra isso. Eles dizem que ocorre um certo conflito de atribuições no cérebro. O córtex frontal, que é a parte que distribui e supervisiona as ordens, “briga” com os núcleos de base, responsáveis pelo “piloto automático”. Isso quer dizer que o cérebro, de alguma forma, memorizou onde se encontram as teclas e é capaz de localizá-las sem esforço, por automatismo. Por isso, se vc se força a pensar em onde está cada uma delas, só perde tempo, já que é o tipo de instrução dispensável para o piloto automático. É assim com os aprendizados seqüenciais, aqueles q muitas vezes memorizamos “sem saber”, e nem sequer pensamos que já aprendemos, simplesmente sabemos.

Me pergunto se isso tb não serve para outros aspectos da vida, como os conflitos existenciais típicos de quem dispõe do chamado ócio produtivo, como ilustra o diálogo abaixo:

nildene diz:
às vezes, vc lembra? a gente ficava discutindo a implicação do sexo dos anjos na reprodução das mariposas...
nildene diz:
e de acordo com as nossas conclusões nosso comportamento tinha q ser assim ou assado...se fosse de outra maneira era quase uma heresia
nildene diz:
uau! q peso!
Adriano diz:
vc tem razão sabe...
Adriano diz:
acho q estavamos tao entusiasmados com o nosso mundo, o q criamos
Adriano diz:
q deixamos de lado algumas coisas mais "terrenas"
Adriano diz:
q tb sao importantes

Quando li o Cândido, do Voltaire, por indicação do Lau, essa coisa de dispensar os “comandos” e deixar um pouco de lado o “sexo dos anjos” veio mais fortemente na minha cabeça... Pensar em cada aspecto da vida é realmente fundamental?

A história do Cândido é basicamente a de um rapaz crédulo que, inspirado no seu mestre Pangloss, acreditava que o mundo é “o melhor dos mundos possíveis”, uma crítica direta de Voltaire a Leibniz (que semelhança com a gente, heim, Adriano!). Depois de sofrer inúmeras desgraças, ser expulso do castelo onde morava, saber q sua amada foi estuprada e vendida como prostituta, ficar rico e depois na miséria, encontrar a querida Cunegundes balofa e acabada pelas agruras q passou e ainda assim casar com ela, Cândido passa a duvidar dessa visão otimista do mundo. Porém sua incredulidade não chega ao ponto de achar, como um amigo seu maniqueísta, que a vida é só um amontoado de desgraças q se sucedem. E assim, segue com esse grupo de esfomeados a debater o sentido da vida até encontrar um velho agricultor a quem pede opinião sobre o conflito. O agricultor responde apenas que não tem nada a ver com isso e que se preocupa apenas em cultivar sua terra, pois o trabalho, segundo ele, “afasta de nós três grandes males: o tédio, o vício e a necessidade”.

No fim, os amigos de Cândido deixam o velho pra trás e continuam debatendo... até que Cândido, num acesso de bom senso, diz: “tudo isso está muito bem, mas devemos cultivar nosso jardim.” ... Depois de muito especular, Cândido parece ter chegado à mesma conclusão do agricultor, sobre o tédio, o vício e a necessidade, só q por outro caminho. Se mais longo ou mais curto, quem sabe? Isso importa?

Quero crer q todos os caminhos são válidos e que cada um tem em si bom senso e livre-arbítrio suficientes pra perceber quando é hora de pensar e quando é hora de mandar toda a mentalização praquele lugar e simplesmente agir. Não estou aqui pra dar lições sobre isso. Só posso dizer que, quanto a mim, apesar de achar que tem horas q preciso msm parar pra pensar, resolvi q também não custa nada me entregar, de vez em quando, à hipnose de um bom projeto de trabalho ou ao ócio improdutivo de dar boas gargalhadas vendo Mr. Bean. Tudo isso, enquanto deixo pro piloto automático a tarefa cansativa de resolver certos conflitos recorrentes, como deve ter feito o velho agricultor, ao surpreender Cândido com uma resposta sobre a qual ele ainda não tinha pensado. Esse é meu desafio agora. Não espero respostas caídas do céu, mas por quê não desviar o foco, deixando que novos olhares surpreendam velhos problemas?